Páginas

sexta-feira, 29 de julho de 2011

XV CONGRESSO BRASILEIRO DE FOLCLORE


XV CONGRESSO BRASILEIRO DE FOLCLORE
Da Comissão Nacional de Folclore
Comissão Paulista de Folclore
Abaçaí Cultura e Arte OS

O XV Congresso Brasileiro de Folclore teve como tema HISTÓRIA E FOLCLORE, CAMINHOS QUE SE ENTRECRUZAM. Aconteceu em São José dos Campos, nos dias 11 a 15 de julho de 2011
Constavam da programação:
Mesas redondas como: Políticas públicas para o patrimônio Imaterial
Folclore e Comunicação
Folclore na Era Digital
Convenção da Diversidade
Cultura Tradicional e Sustentabilidade
A Música Tradicional em todos os Tons
E outros
Cursos para professores
Grupos de trabalho
Oficinas e Vivências
Exposições de fotos
Painéis
Exibição de Documentários
Salas de dança em atividade permanente

A Comissão Nacional de Folclore, criada em 1947, ligada ao IBECC (Instituto Brasileiro de Educação Ciência e Tecnologia, órgão da UNESCO) coordena atividades em folclore nos estados brasileiros por meio das Comissões Estaduais. Promove congressos periódicos, realizados a cada vez em uma região diferente, reunindo folcloristas de todo o país.

O XV Congresso reuniu mais de cem folcloristas dentre especialistas, mestres, professores de todos os níveis e estudantes de diferentes estados. A presença dos estados nordestinos foi notável. Contavam-se também pessoas interessadas em folclore assim como artistas plásticos, músicos, dançarinos.

Fui convidada a participar da mesa redonda A MÚSICA TRADICIONAL EM TODOS OS TONS. Faziam ainda parte da mesa Carlos Sandroni, da Universidade Federal de Pernambuco e Alberto Ikeda, da UNESP. Minha exposição teve como título UMA LEITURA INTERDISCIPLINAR DOS INSTRUMENTOS MUSICAIS FOLCLÓRICOS BRASILEIROS. Um título auto-explicativo. Para ilustrar, preparamos um filme sobre os instrumentos musicais que foi idealizado por mim, por Sonia Albano e Liebe Lima, nossa ex-aluna na Faculdade Carlos Gomes. Liebe, especialista em video para Internet, tem sensibilidade e criatividade e muita técnica. Sonia Albano já idealizou outros filmes com finalidades acadêmicas. E eu forneci o texto-suporte e a maior parte do material de pesquisa, tanto visual como sonoro. Foram usadas fotos da coleção de instrumentos musicais do então Museu de Folclore, que Rossini Tavares de Lima, em vida, permitiu-me fazer para fins pedagógicos (era proibido fotografar a exposição do Museu). O filme, acredito, teve boa aceitação.

Paralelamente ao congresso, realizou-se em S. José dos Campos o X REVELANDO SÃO PAULO-VALE DO PARAÍBA, uma exposição da cultura tradicional do Vale do Paraíba, Serra da Mantiqueira e Litoral Norte de S. Paulo, apresentando artesanato, culinária, grupos folclóricos de teatro e dança, música. Faz parte do projeto mais amplo REVELANDO S. PAULO, que completa quinze anos, uma iniciativa da Secretaria de Estado da Cultura, da Comissão Paulista de Folclore e da Abaçaí Cultura e Arte e é presidido por Toninho Macedo.

sábado, 23 de julho de 2011

Morre Osvaldo Lacerda - grande perda para a música brasileira



OSVALDO LACERDA (1927-2011)

O Brasil perde um grande músico: compositor talentoso, pianista e professor que, como tal, escreveu vários livros didáticos que são obras de referência nas escolas de música.
Todas as notícias sobre ele estão na mídia: ocupou a cadeira nº 9 da Academia Brasileira de Música, foi fundador da Sociedade Pró Música Brasileira e do Centro de Música Brasileira que dirigia com a pianista Eudóxia de Barros, ex-aluna que se tornou esposa.
De 1952 a 1962, estudou com Camargo Guarnieri, seu grande mestre. Nos EUA teve aulas com Vittorio Giannini e Aaron Copland.
Obras orquestrais, para instrumentos, de câmara variada; destaque para o lied.

Escolhi lembrar Osvaldo Lacerda quando de sua visita à minha classe de História da Música no Brasil, da Faculdade de Música Carlos Gomes, em 1996, em companhia de Eudóxia. O compositor fora convidado a dialogar com os alunos, dentro do nosso projeto Um olhar sobre a música brasileira. Sua atenção, distinção, até modéstia, apesar do alto conhecimento, sensibilizou a todos. Os alunos que ainda não o conheciam, passaram a admirá-lo. Ficaram muito claros os seus argumentos, sua coerência e não intransigência na escolha da estética nacionalista. Ele disse: “ Se eu quiser escrever em mixolídio, escrevo; se quiser compor música atonal, componho; e assim por diante, sem dar satisfações para modismos ou opiniões.”
Desta palestra guardei algumas falas que depois ficaram registradas na entrevista que ele deu ao Informativo Carlos Gomes ( ano II, nº 6, mai/jun/jul-1996) boletim periódico da Faculdade. Como estas:

“Meu principal objetivo é a brasilidade espontânea com conhecimento de causa. “
“Acima de tudo é importante estar satisfeito consigo mesmo e ser sempre sincero.”
“O compositor nasce, não se faz. E a composição deve sempre sair do coração e da mente da gente.”
“A qualidade mais importante do compositor é a liberdade de pensamento”.
“Ao compositor brasileiro compete criar música de caráter brasileiro contribuindo para a universalidade com uma coisa própria. Porque Villa-Lobos é tão apreciado lá fora?”

As fotos acima foram tiradas na Faculdade Carlos Gomes, por ocasião da palestra. Na primeira, o compositor tocando piano; na outras, Osvaldo Lacerda, Eudóxia de Barros e eu, Niomar.

terça-feira, 19 de julho de 2011

Kurt Weill e Bertold Brecht, parceria notável para a música dramática do século XX. E a instigante prostituta Jenny / Gení




Kurt Weill e Bertold Brecht, uma parceria notável para a música dramática do século XX. E a instigante prostituta Jenny/Geni

Eu sempre tive curiosidade de conhecer um pouco mais da relação que envolve quatro óperas conhecidas, sendo uma delas brasileira, tão erudita quanto as outras, porém criada no âmbito da cultura popular e com as liberdades que esta lhe permite. Meu foco são as obras de Kurt Weill e Bertold Brecht, a Ópera dos Três Vinténs e Ascensão e Queda da Cidade de Mahagonny. As demais, envolvidas nesta comparação são a Ópera do Mendigo, de John Gay e Pepusch, do século XVIII, e A Ópera do Malandro, de Chico Buarque. E o leitmotiv é a personagem Jenny / Geni, a prostituta execrada.
As quatro óperas têm o mesmo conceito na estrutura das peças, na caracterização dos personagens – malfeitores, assaltantes, rufiões, prostitutas- traidoras; na ambientação – um sub-mundo social; nas estórias – corrupção e exploração; e até na encenação de uma parada, na cena final.
Por incrível que pareça, ao pesquisar Weill e Brecht, encontrei até Bob Dylan, vejam só!
Kurt Weill nasceu em Dessau, Alemanha, 1900, e morreu em Nova York, 1950. Filho de um cantor litúrgico judeu, que lhe deu educação rígida e meio esnobe, era tímido e devotado à música. Na juventude quis ir para Viena estudar com Schoenberg mas, como a situação financeira da família não permitiu, foi para Berlim e estudou com Ferruccio Busoni (ítalo-germânico, 1866-1924). Em Berlim se surpreendeu com a complexa linguagem sinfônica de Mahler e o apelo popular de Strawinsky na História do Soldado. Busoni era um mago da música do início do século XX, um cosmopolita num contexto nacionalista, um pragmático quando dominava o absolutismo estético. Muito ensinou a Weill e, principalmente, a “não ter medo da banalidade” – na época, tudo o que era italiano ou francês. Weill se desenvolveu musicalmente com a abertura, a liberdade e a inovação vigentes.
Berlim, no período entre as duas guerras mundiais, era uma cidade de possibilidades ilimitadas, onde tudo era possível. Conviviam comunistas, nazistas, social-democratas, nacionalistas, com expressionistas, dadaístas, românticos anacrônicos. Era a cidade dita “sem pudor algum”.
Os jovens compositores alemães aderiam aos ritmos do Jazz, ao ruído das máquinas da indústria e se envolviam com a cultura popular. Queriam efetuar a união da música erudita com a vida moderna.
Weill desenvolveu a teoria do caráter gestual da música – o Gestus – o momento em que a pantomima, a fala e a música dão origem a um lampejo de significação. Escreveu o ensaio Sobre o Caráter Gestual da Música, em 1928.
Bertold Brecht, alemão, viveu de 1898 a 1956. Foi poeta e dramaturgo, um dos maiores autores alemães e um dos mais relevantes literatos do século XX. Para o teatro, continua a ser extremamente importante até hoje. Suas obras tem dimensão pedagógica; é contrário à passividade do espectador. Marxista, defendeu formar/estimular o pensamento crítico.
A partir de 1927, Brecht se une a Weill e juntos vão criar óperas memoráveis. Brecht apreciava os fora da lei, os corruptos, pessoas sem princípios e a crueldade, categorias exploradas na Ópera dos Três Vinténs e na Ascenção e Queda da Cidade de Mahagonny. Aliás, em Berlim e em Weimar havia uma obssessão pela figura do mau, do assassino, do malfeitor retratado na arte. (Lembre-se o cinema expressionista alemão)
A Ópera dos Mendigos ( The Beggar´s Opera) criada na Inglaterra em 1728 por John Gay e Pepusch, tem como protagonista o capitão Macheath, pessoa sem escrúpulos, conquistador de mulheres, um gênio do crime cujo caráter audacioso é o tempero da sua sorte. A ópera satiriza o interesse das classes altas pela ópera italiana, ataca estadistas, regimes corruptos e criminosos conhecidos. Macheath acaba traído pela prostituta Jenny (e outra chamada Sukey) e é condenado à morte. Foi criado como sátira dos políticos corruptos da época de John Gay. Saiba mais no site:
http://pt.wikipedia.org/wild/The_Beggars_Opera

A Ópera dos Três Vinténs é uma alegoria da Ópera dos Mendigos. Nela, o Macheath de Weill/Brecht, chamado Mack the Knife, Mack o Navalha, embora encantador é mais terrível, um psicopata que mata por prazer e por dinheiro. Jenny, a prostituta, sonha em vingar-se dos homens que a exploraram. Com a chegada de um navio de piratas, ela pede a eles que destruam essas pessoas. Há uma canção-tema que ficou famosa, conhecida como “balada do assassinato” na qual são relatados homicídios como o desaparecimento de homens ricos, sete crianças mortas num incêndio, uma jovem estuprada e a morte de Jenny Towler, com uma faca no seio.
Olhe a Jenny, aí.
A canção Mack, o Navalha, na década de 50, entrou para o repertório popular americano, ganhando variantes nas vozes de Louis Armstrong e Frank Sinatra. Armstrong, de brincadeira, acrescentou à letra da música, mais vítimas de Mack, entre outras: Jenny Diver, sweet Lucy, Lotte Lenya (cantora e amante de Weill).
Olha a Jenny outra vez...
Podemos assistir a uma apresentação de Armstrong, de 1956, cantando esta canção, acessando o site:
http://www.youtube.com/watch?v=hLIrS5dtTZI

Em 1962, foi apresentada uma revista no Theater de Lys, em Greenwich Village, Nova York, chamada Brecht on Brecht, em cuja platéia se encontrava um jovem cantor e compositor de Minnesota, Bob Dylan. Ele se encantou ao ouvir a canção “Pirate Jenny” (Pirata Jenny), da Ópera dos Três Vinténs, na qual a prostituta revela seu desejo de se vingar de seus exploradores. Dylan escreveu em sua autobiografia que os exploradores estavam ali na platéia e que não havia protesto ou crítica social e política na canção. Impressionou-o o refrão que repetia: E um Navio com Oito Velas e Cinqüenta Canhões, em que os versos lembravam a buzina de nevoeiro em Lake Superior perto de sua casa de infância. Dylan imprimiu a linha do Gestus, por influência de Weill e Brecht, em suas próximas composições, dentre elas A Resposta está soprando no Vento, Vai cair uma Chuva Forte, Os Tempos Estão Mudando.
Viram a Jenny ai?
Ouçam a canção Pirate Jenny no site:
http://www.vagalume.com.br/nina-simone/pirate-jenny.html


Em 1931, com a relação Weill/Brecht completamente desgastada, é dada a público uma obra prima da dupla: a ópera Ascensão e Queda da Cidade de Mahagonny. Conta a estória da viúva Begbick e seus comparsas, acusados de fraude e lenocínio, que estão fugindo das forças da lei quando o seu caminhão tem uma pane e pára em pleno deserto. Eles resolvem, então, fundar aí uma cidade (referência a Las Vegas). E logo chegam os tubarões: a prostituta Jenny e seus companheiros mal encarados. O vício e a corrupção prosperam, nascem fortunas. Após um furacão que quase destrói a cidade , um lenhador Jim Mahony, a princípio do bem, proclama nova lei: cada um deve fazer o que quiser. Estabelece-se a anarquia e Jim, acusado de não pagar as contas, é condenado à morte. E a cidade também chega à ruína.
O libreto de Brecht costuma ser interpretado como um protesto contra o capitalismo desenfreado norteamericano; ou também pode ser uma crítica à falsa utopia da União Soviética. No site a seguir encontram-se reproduções da ópera:
http://pt.shvoong.com/tags/ascens%C3%A3o-queda-da-cidade-mahagony/

A Ópera do Malandro, de Chico Buarque, estreada em 1987, foi inspirada na Ópera dos Três Vinténs de Weill e Brecht e atualizada para a realidade brasileira em 1940, no fim do Estado Novo. O cenário é a Lapa, bairro do Rio de Janeiro. A sociedade está repleta de empresários inescrupulosos, policiais corruptos, agiotas, empresários inescrupulosos, contrabandistas que freqüentam bares e bordéis. Há rivalidade entre o comerciante dono do bordel e o chefe contrabandista que acaba se casando em segredo com a filha do primeiro. Gení e o Zepelim constitui um quadro emblemático dentro da representação. Um belo dia chega à cidade um zepelim do qual desce um capitão que ameaça destruir a população a menos que consiga os favores de Geni, a prostituta execrada por todos. Ela se recusa e passa a ser assediada e bajulada hipocritamente pelas autoridades, pessoas importantes, todos os moradores para que aceite o capitão do zepelim. Acaba cedendo. O capitão, satisfeito, vai embora. E todo povo da cidade volta a humilhá-la, cantando: Joga pedra na Gení / joga bosta na Gení /ela é feita pra apanhar /ela é boa pra cuspir /ela dá pra qualquer um / maldita Gení.
Para informações completas e ouvir a música, acessar os vários links do Google que têm por título A Ópera do Malandro.

A Jenny, na ópera Ascensão e Queda da Cidade de Mahagonny é do lado do mal, uma das causas que levaram à destruição da cidade. Nas demais, é mais uma vítima dos contextos sociais injustos e um veículo da crítica à hipocrisia e aos preconceitos, principalmente contra a mulher.
Jenny/Gení lembra Lilith, símbolo de mulher sedutora, desafiadora e má. Consta ter sido a primeira esposa de Adão, anterior à Eva (mito do Talmud) que partiu do Paraíso para regiões ignotas por não aceitar a obrigação de se submeter ao companheiro uma vez que era feita da mesma matéria que ele. O sentimento se estendia à posição do ato sexual no repúdio ao corpo do homem sobre o seu. Consta que Lilith foi quem deu à Eva a maçã proibida.
Só para constar, no dicionário Novo Michaellis, inglês-português, 32ª ed., Ed. Melhoramentos, v. 1, encontramos o verbete: jenny - substant. comum fem. – fêmea; fêmea de animais.
Seria um preconceito contra todas as mulheres?

Obs: Se quiserem conhecer mais sobre os temas deste texto, aconselho a leitura do livro de Alex Ross, O Resto É Ruído, Cia. Das Letras, 2009.