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sábado, 22 de janeiro de 2011

Procurar endereço em Roma ou Turim? Tarefa complicada


Dalva Bolognini atendeu meu convite para nos contar sobre sua recente viagem à Itália e os percalços para encontrar um endereço nas ruas de Roma e Turim. Como se sensibilizou com um concerto de canto lírico que assistiu em uma igreja antiga de Roma, nos presenteou com fotos do programa. Chamou sua primeira crônica da viagem de Problemas Urbanos.

Fiquei muito feliz porque este espaço criado para ser uma plataforma de comunicações entre amigos, pela primeira vez cumpre sua função : trocar informações e conhecimentos.


1. Problemas Urbanos

As cidades não são feitas dos degraus que compõem a rua em forma de escada ou da perfeição dos arcos dos pórticos, ou ainda das lâminas de zinco que recobrem os tetos. As cidades são feitas das relações entre as medidas de seu espaço e os acontecimentos do passado. Assim Marco Polo se refere a Zaíra, uma das cidades invisíveis de Calvino.
Visitando recentemente algumas cidades italianas, percebi a dificuldade de se compreender essas relações, nesse caso a numeração dos prédios em suas ruas. Em Turim, o hotel em que minha prima e eu estávamos hospedadas ficava no número 166 da Via Ormea. Pelo mapa que nos preocupamos em adquirir logo ao chegarmos à cidade, podia-se observar que a rua era longa, mas a partir do ponto onde estávamos, número 2, a distância a percorrer não seria mais do que duas ou três quadras. Aos poucos fomos percebendo que a estranha numeração inclui letras que podem chegar ao alfabeto inteiro a cada número, dependendo de quantos complementos um prédio possua: loja, sobreloja, garagem, apartamento. Isso nos fez andar cerca de uma hora na mesma rua até encontrarmos o nosso número, a essa altura tão desejado.
Acostumadas que somos ao sistema métrico da numeração na maior parte das cidades brasileiras, não sabemos os motivos que determinaram outras escolhas em outros tempos. E apoiadas nesse conhecimento, comentamos com um motorista de taxi, ainda em Turim, a dificuldade que tivéramos para nos localizar na cidade, acrescentando a informação sobre o sistema brasileiro muito mais fácil de entender. O homem se ofendeu, disparando que os brasileiros mal chegam e já se põem a criticar o que encontram (ou melhor, o que não encontram), pensam que são os sabidos e eles os ignorantes. Concluiu com uma enérgica preleção sobre a facilidade deles para localizar um endereço – entre duas ruas conhecidas, por exemplo, razão pela qual ele não se deixa enganar por falsas informações daquilo que não existe. Depois disso, ficamos bem quietas e assim permanecemos até descer do taxi.
Dias depois, em Roma, novamente chamamos um taxi por intermédio da recepção do hotel – na Itália o atendimento é feito somente por chamada, de maneira que se o turista estiver na rua sem um “telefonino”, está perdido. Nosso destino era uma igreja pouco conhecida dos roteiros turísticos onde aconteceria um espetáculo de canto lírico, fincada no meio de um quarteirão localizado na zona norte da cidade e que, felizmente, nosso condutor não teve problema para encontrar. Falante e educado, o “autista” nos deixou em uma esquina próxima, mas teve a gentileza de nos explicar que sendo ímpar o número procurado, estaria em ordem crescente, enquanto a numeração do lado oposto seria par e decrescente. A confusão em nossa cabeça aumentou ainda mais.
Porém, na volta para São Paulo, me movimentei a pesquisar o assunto. Descobri que o tema faz parte dos estudos da Geografia, modernamente da Geografia Urbana, que inclui a divisão espacial das cidades e sua identificação para uso oficial, por exemplo, para a correta cobrança dos impostos e taxas e distribuição de correspondência pelos correios. No entanto, cada país ou cidade escolhe seu método. Na Inglaterra as residências recebem nomes, em Nova Iorque os endereços são orientados pelos pontos cardeais, de modo que é fácil saber se fica do lado norte ou sul da cidade, em Brasília a divisão é feita pelo número do terreno dentro de uma quadra e essa dentro do lote. Outros sistemas também são encontrados, mas o que prevalece no ocidente é a numeração pelo sistema métrico.
O que impressiona é que no velho continente ainda persistam sistemas criados há séculos, como o indecifrável método de numeração dos imóveis nas cidades. É possível que em Turim e em Roma o sistema seja o mesmo de Veneza, onde a numeração das casas ocorre a partir do edifício mais importante ao seu redor, o que pode justificar que os números do lado ímpar sejam crescentes e do lado par decrescentes. Tudo começa e termina no mesmo ponto, ou com o mesmo nome. Sei que em nosso passado colonial essa questão foi resolvida mais ou menos dessa maneira, quando se deu numeração às residências no centro do Rio de Janeiro a partir do Paço Imperial, edifício que primeiro abrigou os fazeres administrativos do reinado de D. João VI no Brasil. Acabei sabendo também que atualmente as câmaras municipais de Portugal se encontram em fase de modificação do modelo de endereçamento, adaptando-o ao sistema métrico.
Para compensar, no mesmo velho continente é raro se encontrar um telefone público, até para chamar um taxi. Ou se tem um ”telefonino”, ou se está perdido no meio da Via Ormea!
Dalva
Nov.2010


Dalva Bolognini é formada em folclore brasileiro, graduada em comunicação social e pós-graduada em museologia. Fomos colegas de trabalho e diretoria no Museu de Folclore Rossini Tavares de Lima.

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