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quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Do livro MOSAICOS: Arte, Cultura e Educação

MOSAICOS: Arte, Cultura e Educação é uma coletânea de especialistas nestes temas da qual participei com o estudo Música étnica afriacana: uma linguagem da vida.

Francisca Eleodora S. Severino e Sonia Albano de Lima são organizadoras.
O prefácio é do Professor Dr. Antonio Joaquim Severino

Autores, pela ordem de entrada: Sonia Albano de Lima, Flávio Apro, Niomar de Souza Pereira, Francisca Eleadora S. Severino, Fernanda Verdasca Botton, Ana Gracinda Queluz & Maria Lúcia Vasconcelos, Vitória Kachar, Ana Lucia Nogueira Braz.
Apresentação de Francisca E. Severino e Sonia Albano de Lima:

Arte, cultura e educação compõem os mosaicos que, neste livro, representam a imaterialidade do pensamento humano. Este universo diversificado é consolidado e integrado pela interdisciplinaridade que conecta os segmentos isolados do conhecimento em um todo coerente. Nenhum dos capítulos trata da arte, da cultura e da educação de forma isolada. As áreas estão integradas sem que haja uma hierarquia cognitiva e é o olhar do leitor que determinará seu próprio trajeto.

Os três capítulos iniciais fundamentam-se na música mas a visão dos autores se reporta também à cultura e à educação. Sonia Albano de Lima escreveu A dimensão da linguagem musical com reflexões sobre a relação da música com outras linguagens, em particular a verbal própria para as relações do ensinar e do aprender. A inquietação que conduz sua reflexão é : “que utilidade o ensino acadêmico da música teria para a formação humana considerando-se que ela não expõe teorias sobre o mundo e nem transmite informação como faz uma linguagem verbal?” Reporta que o ensino da música como disciplina é uma possibilidade, não uma certeza de aplicabilidade e o seu emprego em sala de aula pode ser abordado com outra linguagem musical passível de se realizar enquanto arte.

Flávio Apro, autor de Origens e transformações do tema Folias de Espanha através da história, capítulo seguinte, dá ênfase à questão do eterno retorno e das mutações do tema musical Folias de Espanha ao longo da história da música, recorrente em várias tradições e culturas por mais de cinco séculos. De Corbetta (1648) a Kubrick (1975), passando por Bach, Beethoven e Liszt, entre outros, permanece entre nós até nas manifestações do cotidiano por meio do cinema e da publicidade. O estudo contribui com pesquisas musicológicas e oferece subsídios a educadores que lidam com ensino formal e não formal de música.

O terceiro capítulo referente à música é Música étnica africana: uma linguagem da vida, de Niomar de Souza Pereira. Contempla a diversidade cultural de uma extensa tradição musical dos povos africanos cujo aparato, em vozes e instrumentos, não se dissocia do seu peculiar contexto sócio-cultural, eivado de tradições. A Etnomusicologia, estudo da música na cultura (Alan Merrian, 1964), é a linha teórica a que a autora se atém. Ela informa que “ a Etnomusicologia abrange dois campos: o musicológico – das estruturas musicais – e o etnológico – do significado humano da música em seu contexto sócio-cultural”.

A coletânea desenvolve-se com dois textos que discutem os fundamentos da estética contemporânea. Francisca Severino, no capítulo A vocação libertadora da arte, uma aproximação à luz da hermenêutica benjaminiana, ressalta a fecunda colaboração de dois autores de tradição marxista, Walter Benjamin, com os conceitos de Alegoria e Hermenêutica, e Lukács, na abordagem do conceito de Símbolo. Trata da especificidade filosófica do reflexo estético sob sua impregnação existencial, e de que forma a estética se diferencia de outros modos de apreensão do real; e dos diversos modos de comportamento que daí derivam. Embora divergindo em muitos pontos, os dois autores citados convergem no que diz respeito à vocação emancipadora da arte.

Fernanda Verdasca Botton, em Bernardo Santareno e as fronteiras entre Nazismo e a Super-Humanidade pensada por Nietzsche, discute as fronteiras entre os conceitos filosóficos nietzscheanos e uma estética típica de regimes totalitários na obra teatral de Bernardo Santareno, dramaturgo português do período salazarista.Chama a atenção para uma leitura tendenciosa e equivocada da obra de Nietzsche, refletida por Hitler no nazismo, e na ação dos personagens Orfeu Wilson e Eurídice Oliver na peça de Santareno, para justificar a matança de uma criança judia, uma negra e um adolescente homossexual. O capítulo é um alerta a educadores e aqueles que lutam pelas conquistas democráticas em busca de uma sociedade mais justa e igualitária.

Dos três capítulos que completam a coletânea, dois privilegiam as manifestações culturais que se constroem mediante imagens cinematográficas e fotográficas e o terceiro contempla o sentido do amor nas relações humanas.
Em Tempo e conhecimento: narrativa cinematográfica, Ana Gracinda Queluz e Maria Lucia Vasconcelos tratam da imagem do professor no discurso cinematográfico bem como da influência desse discurso na sua formação. As autoras privilegiam três linhas, pela especificidade de conhecimentos que contém: o conhecimento, a narrativa e o tempo. Tais linhas se dispõem de tal maneira que, ao juntar-se, se predispõem a compor um desenho novo, harmônico e articulado.

No capítulo O retrato fotográfico na autobiografia escolar, Vitória Kachar dá continuidade à reflexão sobre o uso da imagem como recurso pedagógico nas relações do ensino e aprendizagem exercitando o emprego de várias linguagens e tecnologias da informação e comunicação no contexto educacional. A fotografia, detentora de significado para uma pessoa e percebida em suas características peculiares, adquire um novo sentido a partir da rememoração.

O tema do amor nas relações cotidianas encerra a coletânea por permear as relações de reciprocidade e cooperação necessárias ao trabalho interdisciplinar de profissionais procedentes de diversas áreas do saber. O significado do amor na cultura e na educação ocidental é o tema desenvolvido por Ana Lucia Nogueira Braz, cujo objetivo é desvelar a real contribuição do amor nas relações sociais e na escola para a superação de múltiplas formas de violência real ou simbólica que permeiam a sociedade. A autora historia os pensadores que legaram contribuições substanciais ao tema e desvela facetas de filósofos como Platão, Rousseau, Kant, dentre outros que fundamentaram a pedagogia de Pestallozi, autor destacado e cuja obra não foi adequadamente desenvolvida à luz das novas conquistas humanas.

domingo, 4 de setembro de 2011

OSESP ao vivo pela internet

A OSESP inaugurou novo serviço para os freqüentadores da Sala S.Paulo e para o público em geral que gosta da música erudita: a transmissão de concertos ao vivo pela Internet. Basta acessar o site http://www.concertodigital.osesp.art.br na hora do evento.
É uma iniciativa democrática que disponibiliza a excelência da orquestra, dos maiores artistas nacionais e internacionais e os repertórios do mais alto nível (não esquecendo a música contemporânea) a um público que muitas vezes, mesmo gostando, não tem condições ou o hábito de freqüentar a sala de concertos.
A estréia se deu no dia 27 de agosto de 2011, às 16:30h, com programa regido pela maestrina norte-americana Marin Alson, que assumirá a direção da OSESP a partir de 2012. As obras apresentadas foram a quinta sinfonia de Prokofiev e o concerto para violino do austríaco Erich Wolfgang Korngold (1897-1957). O solista, um dos mais destacados violinistas da atualidade, o francês Renaud Capuçon, tocou em um legendário violino Guarneri Del Gesù “Panette”, de 1737. Segundo Capuçon, “Korngold é subestimado porque teve de mudar para os Estados Unidos devido ao nazismo, trabalhou em Hollywood e a pecha de autor de música de cinema prejudicou a recepção de suas obras”e a peça executada “é uma obra prima que mescla seu passado vienense e citações de trilhas sonoras” (declarações a Irineu Franco Perpétuo, Folha de S. Paulo, 27 de agosto de 2011).
Eu assití ao concerto e achei a regente Marin Alson muito segura, serena e capacitada para extrair da orquestra o melodismo de Korngold e virilidade percussiva de Prokofiev.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011


Alban Berg – carta à sua noiva “Borghof, 23 de agosto de 1909.

Amada:
Indagas em tua carta: Para onde vamos? Que é o que aqui nos parece como a meta, o aonde?
Não são os títulos e honrarias e condecorações e tumbas de glórias por mim superados e desprezados há muitíssimo tempo e que nada importam, que podem chegar ou não; não ergueremos as mãos para isso, sua falta nos comoverá tão pouco, nos importará tão pouco como sua chegada!
Por outro lado, todavia, existe uma meta, um aonde para nós e, se ainda não o tiverdes reconhecido de todo, encontras-te no caminho de achá-lo. Trata-se do caminho que abandona à margem todas as metas mundanas, exteriores, que conduz, subindo, até a perfeição de nossas almas, para o verdadeiro ser do homem, para a única justa, desejável, suprema, ideal existência.
Porque quanto mais penso aproximar-me da meta, quanto mais subo, melhor reconheço quanto e quão longe hei de peregrinar ainda para atingir o cume da montanha que parecia tão fácil de ser alcançado, visto do vale de nossa ínfima existência.
Até que cheguemos a altura em que apenas moram os mais nobres e podem ser criados – unicamente ali – um Parsifal [de Wagner], uma Nona [sinfonia de Beethoven], um Fausto, uma Pippa [ comédia E Pippa Dança, de Hauptmann], e outras poucas obras supremas: o Apocalipse, as Sínteses. Indiferente se avaliada em obras ou em uma vida da alma. O aonde adquire então a maior, a única importância; é o além, de Nietzsche, que o compara – em sua linguagem cheia de imagens – aos novos mares para os quais irresistivelmente se encaminha sua genovesa nave. Lamento não o ter à mão, quisera citá-lo nesta suprema e maior questão, convencer-te-ia mais do que com minhas contemplações. Uma coisa, porém, sei com toda segurança, apesar de tudo e não precisando para isso de nenhum Nietzsche e de nenhum filósofo do mundo: que este caminho para os novos mares ou para os mais elevados cumes deixa de lado todas as mesquinhas metas do mundo, deste minúsculo mundo, a vista fixa ... no ideal de ser um homem justo, bom, nobre.
Oh, Helene, não queremos palmilhar juntos este caminho? Eu contigo, tu comigo?
Mão na mão, alma com alma, de tal maneira que a pergunta de Rosmersholm [drama de Ibsen] assoma a nossos lábios: Não sei se vou contigo ou vais tu comigo?...”

Alban

Esta carta foi escrita por Alban Berg, aos 24 anos, à sua futura esposa Helene. Revela uma prematura maturidade ao reconhecer, além do aplauso ou reconhecimento das multidões, os verdadeiros valores da vida e da arte. Tal postura reflete-se na obra deste período. A referência bibliográfica desta carta é a seguinte:
PAHLEN, Kurt. Amada imortal; o mundo íntimo de grandes músicos através de 300 cartas de amor. São Paulo: Melhoramentos, 1962.

Alban Berg era austríaco, nasceu em Viena em 1885 e morreu em 1935. Fez parte da tríade que revolucionou a música no início do século XX, com a chamada Segunda Escola de Viena, junto com Anton Webern e Arnold Schoenberg, de quem foi aluno. Estes compositores foram responsáveis pela ruptura com o sistema tonal e a introdução do atonalismo com a técnica dos doze sons ou dodecafônica. A obra de Alban Berg não foi numerosa mas destacou-se pelo esmero no acabamento. Emblemática é a ópera Wozzeck , cuja encenação em 1925, em Berlim, causou sensação e pode ser considerada um dos pontos altos da música moderna. Sua preocupação com a forma escondeu muitas vezes o lado lírico de sua natureza. Utilizou a técnica dodecafônica com muito senso artístico enriquecendo-a com recursos líricos e dramáticos.
Alban Berg foi um dos mais importantes compositores do século XX.
Para ouvir Wozzeck, acessar:

http://www.radio.uol.com.br/#/album/alban-berg/wozzeck-wierner-staatsopernchor-e-wiener-philharmoniker-feat-conductor

sexta-feira, 29 de julho de 2011

XV CONGRESSO BRASILEIRO DE FOLCLORE


XV CONGRESSO BRASILEIRO DE FOLCLORE
Da Comissão Nacional de Folclore
Comissão Paulista de Folclore
Abaçaí Cultura e Arte OS

O XV Congresso Brasileiro de Folclore teve como tema HISTÓRIA E FOLCLORE, CAMINHOS QUE SE ENTRECRUZAM. Aconteceu em São José dos Campos, nos dias 11 a 15 de julho de 2011
Constavam da programação:
Mesas redondas como: Políticas públicas para o patrimônio Imaterial
Folclore e Comunicação
Folclore na Era Digital
Convenção da Diversidade
Cultura Tradicional e Sustentabilidade
A Música Tradicional em todos os Tons
E outros
Cursos para professores
Grupos de trabalho
Oficinas e Vivências
Exposições de fotos
Painéis
Exibição de Documentários
Salas de dança em atividade permanente

A Comissão Nacional de Folclore, criada em 1947, ligada ao IBECC (Instituto Brasileiro de Educação Ciência e Tecnologia, órgão da UNESCO) coordena atividades em folclore nos estados brasileiros por meio das Comissões Estaduais. Promove congressos periódicos, realizados a cada vez em uma região diferente, reunindo folcloristas de todo o país.

O XV Congresso reuniu mais de cem folcloristas dentre especialistas, mestres, professores de todos os níveis e estudantes de diferentes estados. A presença dos estados nordestinos foi notável. Contavam-se também pessoas interessadas em folclore assim como artistas plásticos, músicos, dançarinos.

Fui convidada a participar da mesa redonda A MÚSICA TRADICIONAL EM TODOS OS TONS. Faziam ainda parte da mesa Carlos Sandroni, da Universidade Federal de Pernambuco e Alberto Ikeda, da UNESP. Minha exposição teve como título UMA LEITURA INTERDISCIPLINAR DOS INSTRUMENTOS MUSICAIS FOLCLÓRICOS BRASILEIROS. Um título auto-explicativo. Para ilustrar, preparamos um filme sobre os instrumentos musicais que foi idealizado por mim, por Sonia Albano e Liebe Lima, nossa ex-aluna na Faculdade Carlos Gomes. Liebe, especialista em video para Internet, tem sensibilidade e criatividade e muita técnica. Sonia Albano já idealizou outros filmes com finalidades acadêmicas. E eu forneci o texto-suporte e a maior parte do material de pesquisa, tanto visual como sonoro. Foram usadas fotos da coleção de instrumentos musicais do então Museu de Folclore, que Rossini Tavares de Lima, em vida, permitiu-me fazer para fins pedagógicos (era proibido fotografar a exposição do Museu). O filme, acredito, teve boa aceitação.

Paralelamente ao congresso, realizou-se em S. José dos Campos o X REVELANDO SÃO PAULO-VALE DO PARAÍBA, uma exposição da cultura tradicional do Vale do Paraíba, Serra da Mantiqueira e Litoral Norte de S. Paulo, apresentando artesanato, culinária, grupos folclóricos de teatro e dança, música. Faz parte do projeto mais amplo REVELANDO S. PAULO, que completa quinze anos, uma iniciativa da Secretaria de Estado da Cultura, da Comissão Paulista de Folclore e da Abaçaí Cultura e Arte e é presidido por Toninho Macedo.

sábado, 23 de julho de 2011

Morre Osvaldo Lacerda - grande perda para a música brasileira



OSVALDO LACERDA (1927-2011)

O Brasil perde um grande músico: compositor talentoso, pianista e professor que, como tal, escreveu vários livros didáticos que são obras de referência nas escolas de música.
Todas as notícias sobre ele estão na mídia: ocupou a cadeira nº 9 da Academia Brasileira de Música, foi fundador da Sociedade Pró Música Brasileira e do Centro de Música Brasileira que dirigia com a pianista Eudóxia de Barros, ex-aluna que se tornou esposa.
De 1952 a 1962, estudou com Camargo Guarnieri, seu grande mestre. Nos EUA teve aulas com Vittorio Giannini e Aaron Copland.
Obras orquestrais, para instrumentos, de câmara variada; destaque para o lied.

Escolhi lembrar Osvaldo Lacerda quando de sua visita à minha classe de História da Música no Brasil, da Faculdade de Música Carlos Gomes, em 1996, em companhia de Eudóxia. O compositor fora convidado a dialogar com os alunos, dentro do nosso projeto Um olhar sobre a música brasileira. Sua atenção, distinção, até modéstia, apesar do alto conhecimento, sensibilizou a todos. Os alunos que ainda não o conheciam, passaram a admirá-lo. Ficaram muito claros os seus argumentos, sua coerência e não intransigência na escolha da estética nacionalista. Ele disse: “ Se eu quiser escrever em mixolídio, escrevo; se quiser compor música atonal, componho; e assim por diante, sem dar satisfações para modismos ou opiniões.”
Desta palestra guardei algumas falas que depois ficaram registradas na entrevista que ele deu ao Informativo Carlos Gomes ( ano II, nº 6, mai/jun/jul-1996) boletim periódico da Faculdade. Como estas:

“Meu principal objetivo é a brasilidade espontânea com conhecimento de causa. “
“Acima de tudo é importante estar satisfeito consigo mesmo e ser sempre sincero.”
“O compositor nasce, não se faz. E a composição deve sempre sair do coração e da mente da gente.”
“A qualidade mais importante do compositor é a liberdade de pensamento”.
“Ao compositor brasileiro compete criar música de caráter brasileiro contribuindo para a universalidade com uma coisa própria. Porque Villa-Lobos é tão apreciado lá fora?”

As fotos acima foram tiradas na Faculdade Carlos Gomes, por ocasião da palestra. Na primeira, o compositor tocando piano; na outras, Osvaldo Lacerda, Eudóxia de Barros e eu, Niomar.

terça-feira, 19 de julho de 2011

Kurt Weill e Bertold Brecht, parceria notável para a música dramática do século XX. E a instigante prostituta Jenny / Gení




Kurt Weill e Bertold Brecht, uma parceria notável para a música dramática do século XX. E a instigante prostituta Jenny/Geni

Eu sempre tive curiosidade de conhecer um pouco mais da relação que envolve quatro óperas conhecidas, sendo uma delas brasileira, tão erudita quanto as outras, porém criada no âmbito da cultura popular e com as liberdades que esta lhe permite. Meu foco são as obras de Kurt Weill e Bertold Brecht, a Ópera dos Três Vinténs e Ascensão e Queda da Cidade de Mahagonny. As demais, envolvidas nesta comparação são a Ópera do Mendigo, de John Gay e Pepusch, do século XVIII, e A Ópera do Malandro, de Chico Buarque. E o leitmotiv é a personagem Jenny / Geni, a prostituta execrada.
As quatro óperas têm o mesmo conceito na estrutura das peças, na caracterização dos personagens – malfeitores, assaltantes, rufiões, prostitutas- traidoras; na ambientação – um sub-mundo social; nas estórias – corrupção e exploração; e até na encenação de uma parada, na cena final.
Por incrível que pareça, ao pesquisar Weill e Brecht, encontrei até Bob Dylan, vejam só!
Kurt Weill nasceu em Dessau, Alemanha, 1900, e morreu em Nova York, 1950. Filho de um cantor litúrgico judeu, que lhe deu educação rígida e meio esnobe, era tímido e devotado à música. Na juventude quis ir para Viena estudar com Schoenberg mas, como a situação financeira da família não permitiu, foi para Berlim e estudou com Ferruccio Busoni (ítalo-germânico, 1866-1924). Em Berlim se surpreendeu com a complexa linguagem sinfônica de Mahler e o apelo popular de Strawinsky na História do Soldado. Busoni era um mago da música do início do século XX, um cosmopolita num contexto nacionalista, um pragmático quando dominava o absolutismo estético. Muito ensinou a Weill e, principalmente, a “não ter medo da banalidade” – na época, tudo o que era italiano ou francês. Weill se desenvolveu musicalmente com a abertura, a liberdade e a inovação vigentes.
Berlim, no período entre as duas guerras mundiais, era uma cidade de possibilidades ilimitadas, onde tudo era possível. Conviviam comunistas, nazistas, social-democratas, nacionalistas, com expressionistas, dadaístas, românticos anacrônicos. Era a cidade dita “sem pudor algum”.
Os jovens compositores alemães aderiam aos ritmos do Jazz, ao ruído das máquinas da indústria e se envolviam com a cultura popular. Queriam efetuar a união da música erudita com a vida moderna.
Weill desenvolveu a teoria do caráter gestual da música – o Gestus – o momento em que a pantomima, a fala e a música dão origem a um lampejo de significação. Escreveu o ensaio Sobre o Caráter Gestual da Música, em 1928.
Bertold Brecht, alemão, viveu de 1898 a 1956. Foi poeta e dramaturgo, um dos maiores autores alemães e um dos mais relevantes literatos do século XX. Para o teatro, continua a ser extremamente importante até hoje. Suas obras tem dimensão pedagógica; é contrário à passividade do espectador. Marxista, defendeu formar/estimular o pensamento crítico.
A partir de 1927, Brecht se une a Weill e juntos vão criar óperas memoráveis. Brecht apreciava os fora da lei, os corruptos, pessoas sem princípios e a crueldade, categorias exploradas na Ópera dos Três Vinténs e na Ascenção e Queda da Cidade de Mahagonny. Aliás, em Berlim e em Weimar havia uma obssessão pela figura do mau, do assassino, do malfeitor retratado na arte. (Lembre-se o cinema expressionista alemão)
A Ópera dos Mendigos ( The Beggar´s Opera) criada na Inglaterra em 1728 por John Gay e Pepusch, tem como protagonista o capitão Macheath, pessoa sem escrúpulos, conquistador de mulheres, um gênio do crime cujo caráter audacioso é o tempero da sua sorte. A ópera satiriza o interesse das classes altas pela ópera italiana, ataca estadistas, regimes corruptos e criminosos conhecidos. Macheath acaba traído pela prostituta Jenny (e outra chamada Sukey) e é condenado à morte. Foi criado como sátira dos políticos corruptos da época de John Gay. Saiba mais no site:
http://pt.wikipedia.org/wild/The_Beggars_Opera

A Ópera dos Três Vinténs é uma alegoria da Ópera dos Mendigos. Nela, o Macheath de Weill/Brecht, chamado Mack the Knife, Mack o Navalha, embora encantador é mais terrível, um psicopata que mata por prazer e por dinheiro. Jenny, a prostituta, sonha em vingar-se dos homens que a exploraram. Com a chegada de um navio de piratas, ela pede a eles que destruam essas pessoas. Há uma canção-tema que ficou famosa, conhecida como “balada do assassinato” na qual são relatados homicídios como o desaparecimento de homens ricos, sete crianças mortas num incêndio, uma jovem estuprada e a morte de Jenny Towler, com uma faca no seio.
Olhe a Jenny, aí.
A canção Mack, o Navalha, na década de 50, entrou para o repertório popular americano, ganhando variantes nas vozes de Louis Armstrong e Frank Sinatra. Armstrong, de brincadeira, acrescentou à letra da música, mais vítimas de Mack, entre outras: Jenny Diver, sweet Lucy, Lotte Lenya (cantora e amante de Weill).
Olha a Jenny outra vez...
Podemos assistir a uma apresentação de Armstrong, de 1956, cantando esta canção, acessando o site:
http://www.youtube.com/watch?v=hLIrS5dtTZI

Em 1962, foi apresentada uma revista no Theater de Lys, em Greenwich Village, Nova York, chamada Brecht on Brecht, em cuja platéia se encontrava um jovem cantor e compositor de Minnesota, Bob Dylan. Ele se encantou ao ouvir a canção “Pirate Jenny” (Pirata Jenny), da Ópera dos Três Vinténs, na qual a prostituta revela seu desejo de se vingar de seus exploradores. Dylan escreveu em sua autobiografia que os exploradores estavam ali na platéia e que não havia protesto ou crítica social e política na canção. Impressionou-o o refrão que repetia: E um Navio com Oito Velas e Cinqüenta Canhões, em que os versos lembravam a buzina de nevoeiro em Lake Superior perto de sua casa de infância. Dylan imprimiu a linha do Gestus, por influência de Weill e Brecht, em suas próximas composições, dentre elas A Resposta está soprando no Vento, Vai cair uma Chuva Forte, Os Tempos Estão Mudando.
Viram a Jenny ai?
Ouçam a canção Pirate Jenny no site:
http://www.vagalume.com.br/nina-simone/pirate-jenny.html


Em 1931, com a relação Weill/Brecht completamente desgastada, é dada a público uma obra prima da dupla: a ópera Ascensão e Queda da Cidade de Mahagonny. Conta a estória da viúva Begbick e seus comparsas, acusados de fraude e lenocínio, que estão fugindo das forças da lei quando o seu caminhão tem uma pane e pára em pleno deserto. Eles resolvem, então, fundar aí uma cidade (referência a Las Vegas). E logo chegam os tubarões: a prostituta Jenny e seus companheiros mal encarados. O vício e a corrupção prosperam, nascem fortunas. Após um furacão que quase destrói a cidade , um lenhador Jim Mahony, a princípio do bem, proclama nova lei: cada um deve fazer o que quiser. Estabelece-se a anarquia e Jim, acusado de não pagar as contas, é condenado à morte. E a cidade também chega à ruína.
O libreto de Brecht costuma ser interpretado como um protesto contra o capitalismo desenfreado norteamericano; ou também pode ser uma crítica à falsa utopia da União Soviética. No site a seguir encontram-se reproduções da ópera:
http://pt.shvoong.com/tags/ascens%C3%A3o-queda-da-cidade-mahagony/

A Ópera do Malandro, de Chico Buarque, estreada em 1987, foi inspirada na Ópera dos Três Vinténs de Weill e Brecht e atualizada para a realidade brasileira em 1940, no fim do Estado Novo. O cenário é a Lapa, bairro do Rio de Janeiro. A sociedade está repleta de empresários inescrupulosos, policiais corruptos, agiotas, empresários inescrupulosos, contrabandistas que freqüentam bares e bordéis. Há rivalidade entre o comerciante dono do bordel e o chefe contrabandista que acaba se casando em segredo com a filha do primeiro. Gení e o Zepelim constitui um quadro emblemático dentro da representação. Um belo dia chega à cidade um zepelim do qual desce um capitão que ameaça destruir a população a menos que consiga os favores de Geni, a prostituta execrada por todos. Ela se recusa e passa a ser assediada e bajulada hipocritamente pelas autoridades, pessoas importantes, todos os moradores para que aceite o capitão do zepelim. Acaba cedendo. O capitão, satisfeito, vai embora. E todo povo da cidade volta a humilhá-la, cantando: Joga pedra na Gení / joga bosta na Gení /ela é feita pra apanhar /ela é boa pra cuspir /ela dá pra qualquer um / maldita Gení.
Para informações completas e ouvir a música, acessar os vários links do Google que têm por título A Ópera do Malandro.

A Jenny, na ópera Ascensão e Queda da Cidade de Mahagonny é do lado do mal, uma das causas que levaram à destruição da cidade. Nas demais, é mais uma vítima dos contextos sociais injustos e um veículo da crítica à hipocrisia e aos preconceitos, principalmente contra a mulher.
Jenny/Gení lembra Lilith, símbolo de mulher sedutora, desafiadora e má. Consta ter sido a primeira esposa de Adão, anterior à Eva (mito do Talmud) que partiu do Paraíso para regiões ignotas por não aceitar a obrigação de se submeter ao companheiro uma vez que era feita da mesma matéria que ele. O sentimento se estendia à posição do ato sexual no repúdio ao corpo do homem sobre o seu. Consta que Lilith foi quem deu à Eva a maçã proibida.
Só para constar, no dicionário Novo Michaellis, inglês-português, 32ª ed., Ed. Melhoramentos, v. 1, encontramos o verbete: jenny - substant. comum fem. – fêmea; fêmea de animais.
Seria um preconceito contra todas as mulheres?

Obs: Se quiserem conhecer mais sobre os temas deste texto, aconselho a leitura do livro de Alex Ross, O Resto É Ruído, Cia. Das Letras, 2009.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Do romance O Fidalgo e a Camponesa


O FIDALGO E A CAMPONESA:
um romance com final feliz

Este romance, registrei-o em Goiânia, GO., no ano de 1988, mas soube que era muito cantado na cidade Goiás Velho, GO, desde as primeiras décadas do século XX, onde posteriormente, tive oportunidade de documentá-lo. A primeira informante, em Goiânia, na época com 78 anos, Armênia Pinto de Souza, era professora e escritora e pertencia a uma família goiana de atávicas aptidões musicais. Havia dentre eles compositores de modinhas, valsas, canções populares, quase todos cantavam, inclusive na igreja, tocavam violão, piano, ensinavam música. O levantamento feito na cidade de Goiás levou-me às irmãs Lucy Gomes Pinto Veiga Jardim e Irany Gomes Pinto, de 80 e 78 anos respectivamente, conhecedoras do romance que fazia parte do seu dia-a-dia, desde crianças. Informaram que sua mãe, nascida em Goiás em 1882, sempre o cantou. Recordavam-se também de tê-lo visto representado em forma de teatro, com cenário e indumentária de época, no Colégio Sant’Anna, de irmãs dominicanas francesas, onde estudaram.
O Fidalgo e a camponesa conta, em forma de diálogo na primeira pessoa, o assédio de um rico aristocrata à uma humilde pastora que recusa o oferecimento de riquezas e faustos que lhe custariam a honra. A modesta camponesa mantém-se firme e despacha o arrogante fidalgo, o que acaba configurando uma reação às estórias nas quais as moças são sempre vitimadas e, às vezes, morrem no final. Como no romance da Silvaninha, por exemplo, vítima do amor incestuoso do pai, ou Iracema, martirizada pelo padrasto.
A temática dos romances conduz tradicionalmente a um desfecho trágico. Lembremos o romance de Dom Jorge e Dona Juliana, ele pertencente à nobreza e ela uma moça pobre, que acaba envenenando o amado ao saber que ele se casará com outra; o romance do Antoninho, garoto que mata o pavão do diretor da escola, é morto por ele e vingado pelo pai; os romances do ciclo do Boizinho, de caráter bem brasileiro, que canta as tristezas do boi, consciente de que vai sendo levado para o corte
Daí o título que dei a este texto: um romance com final feliz.
O gênero romance é definido por Rossini Tavares de Lima (em “Romanceiro Folclórico”) como poesia dramática cantada, eis que carrega o caráter intrínseco do drama, como se pode constatar pela sua presença no teatro folclórico. Às vezes pode servir de cantiga de ninar e até para brincadeiras infantís. Elemento essencial é a forma narrativa que comumente se inicia com um narrador, transfere-se aos personagens e retorna a ele, no esquema do romance tradicional ibérico. É um gênero universal, presente no cancioneiro ou romanceiro de grande parte das culturas européias. O termo Romance designava o uso da língua “romance”, vale dizer, do espanhol falado na Península Ibérica, ao contrário do usual latim. Os jograis, no século XIV chamavam “romanz” a velhos poemas cantados. Tavares de Lima reporta-se à ligação do romance com as modas ou modas- de- viola brasileiras, graças à cantoria de sentido narrativo.
Segundo Câmara Cascudo (“Dicionário do folclore brasileiro”), romances são poemas cantados que vêm dos séculos X, XI, XII - como as canções de gesta - recriados nos séculos XV e XVI. A princípio apresentados nas cortes, passaram depois ao contexto popular, buscando mais a emoção e o lirismo do amor, num processo de acomodação, inclusive abraçando novos motivos. Guardou, porém, o modelo antigo. Em Portugal, no século XVI, o romance esteve em voga, como nunca. Muito prestigiado na Península Ibérica foi trazido ao Brasil pelo colonizador, assim como para toda a América Espanhola.
O romance, em Portugal e Espanha, tem mais de uma conotação: primeiro, um gênero de composições, com determinadas regras; segundo, um período social bem definido e que deixou marcas indeléveis em tais composições. É o que ensina Amadeu Amaral, no livro “ Tradições populares” .
Em “Introducción a la música popular castellana e lionesa “(Burgos, Espanha, Junta de Castilla y León, 1984) Miguel Palacios Garoz documenta e discute a riqueza de romances que possui o folclore castelhano. Escreve que às vezes se lhe intercala um estribilho, a intervalos regulares, o que se fazia também em tempos antigos. Destaca o acervo de romances de temática religiosa, como: “Los mandamientos”, “Los sacramentos”, “Pajaritos de Santo Antonio”, e outros da Natividade, Quaresma e Páscoa. Acrescenta que os primeiros romances escritos datam do século XV, embora se saiba que existiam na tradição oral desde antes do século XIII.
Dentre os gêneros líricos- musicais do México, o “Corrido” é um dos suportes da literatura genuinamente mexicana, conservado em folhas soltas. Vicente T. Mendoza (“Corridos mexicanos”, México, Fundo de Cultura Economica, 1954) estuda sua procedência, do romance castelhano, nos temas épicos acerca de heróis e façanhas guerreiras; pelo que encerra de lírico, deriva da copla e da chácara: relatos sentimentais, principalmente amorosos, próprios para serem cantados. Em suma, o “Corrido” é um gênero épico-lírico-narrativo, em quadras de rima variável, forma literária sobre a qual se apoia a frase musical, composta geralmente de quatro membros. Relata fatos que motivam poderosamente a sensibilidade popular o que o aproxima do romance, não só pela forma como pela motivação.
Bruno Nettl, em “Música folklórica y tradicional de los continentes occidentales”, no capítulo em que analisa a música de França, Itália e Espanha, informa que crianças, em brincadeiras e jogos, costumam entoar “romancillos” de velhos tempos, com estórias e lendas que contam de amores e fatos ocorridos a reis e princesas ou se referem a milagres de santos. São narrações curtas, ingênuas ou pitorescas, de temática variada, que têm relação com o mecanismo da brincadeira. Algumas delas se prestam a jogos mímicos, com intervenção de passos de dança. Seu estilo é sensível, alegre, movimentado. Musicalmente, predomina o modo maior, a métrica de dois ou três tempos em combinações simples; o desenvolvimento melódico, embora variado move-se regularmente em fraseado simétrico.
Dois escritores portugueses, pai e filho, Joaquim Alberto e Fernando de Castro Pires de Lima, publicaram o livro “Romanceiro minhoto” (Porto, Portucalense Ed., 1943), com coletânea de 58 romances coletados na região do Minho, Portugal. Citam pesquisas de Carolina Michaëlis de Vasconcelos que fala da transmissão dos romances em folhas soltas, a princípio manuscritas, depois impressas. Mas acredita, a pesquisadora, que a transmissão mais eficaz deva ter sido através da oralidade: a palaciana, de corte em corte; a popular, de boca a boca. Lembra ela que nos séculos XV e XVI houve íntima comunhão e quase unidade de manifestações musicais entre Castela e Portugal. Havia intercâmbio de compositores e intérpretes entre as duas cortes.Gil Vicente, mesmo, criava e cantava “cantigas”. Os dois autores citados organizaram o cancioneiro mais ou menos por variantes temáticas, como o tema dos “meninos prodígios que falam antes tempo”; o tema “Bela Infanta” e variantes; o tema “Pastorinhas” e variantes, registrado por Almeida Garret
No livro História da Música Ocidental, de Grout. & Palisca (Lisboa, Gradiva, 1988) encontramos com o título de Trovadores e Troveiros, o seguinte:
“[...] A substância poética e musical das canções de trovadores e troveiros não é, regra geral, muito profunda .... Há baladas simples e baladas em estilo dramático que requerem ou sugerem duas ou mais personagens. [...] Um dos gêneros mais cultivados era a pastourelle (pastorela), um dos tipos de balada dramática. O texto de uma pastorela conta sempre a seguinte história: um cavaleiro faz a corte a uma pastora que, geralmente após a resistência inicial, acaba por lhe ceder; em alternativa, a pastora grita por socorro, aparecendo então o irmão ou namorado que põe o cavaleiro em fuga, não sem que antes seja travado um combate entre ambos. Nas pastorelas mais antigas toda a narrativa era monologada; o passo seguinte consistiu em fazer do texto um diálogo entre o cavaleiro e a pastora. Mais tarde, o diálogo passou a ser não apenas cantado, como também representado; quando se acrescentavam um ou dois episódios, surgindo o pastor em socorro de sua amada com um grupo de companheiros rústicos ... o resultado era uma pequena peça de teatro com música.”

Neste contexto poderia ser inserido o romance O Fidalgo e a Camponesa, não só pelo caráter pastoral e bucólico como pelo episódio da sedução caracterizando a arrogância do nobre rico e poderoso e o desrespeito à moça pobre e desprotegida, tendo porém um desfecho diferente. Estendendo-se para a questão de gênero, homem/mulher, a mulher humilde e modesta derrota o nobre fidalgo.
Este Romance, de raízes tão antigas e tradicionais, vindo do tempo dos trovadores, é vivo na prática e na função de narrativa lírica mantida pela oralidade. E abre portas a uma análise mais profunda, sob o ponto de vista literário, musical, sociológico, até mesmo um estudo de comportamento, isto é, psicológico, no aspecto moderno da emancipação da mulher. O que não é nossa proposta neste momento.

O FIDALGO E A CAMPONESA- eis o texto

“- Gentil pastora, ouve um estranho
deixa o rebanho, vem me escutar
pois que perdido há mais de um´hora
vago pastora neste lugar.

-Senhor bons dias, benvindo seja
tranqüilo esteja que a vila é perto.
Siga essa estrada bem direitinho
não há caminho mais curto e certo.

Extensas léguas hei caminhado,
estou prostrado não tenho ar.
Vê se me indicas qualquer um pouso
onde o repouso possa encontrar.

- Senhor bem vejo que vós sois nobre
meu lar é pobre vêde-o acolá.
Se aos vossos brios não há perigo
meu triste abrigo não longe está.

-Muito obrigado gentil morena
mas, ó que pena, não posso ir.
Tu meiga e bela, de encantos cheia,
cá desta aldeia deves fugir.

- Ah! Não que eu tenho vida folgada
sou muito amada de coração.
Meu nome adeja aos sons cadentes
dos versos quentes de uma canção.

- Isto que vale, bela serrana,
se uma choupana só tens por lar?
Deixa este sítio na soledade
vem à cidade viver, gozar.

- Ai, morreria lá na cidade
só de saudade da gente nossa.
A viver rica mas esquecida
prefiro a vida na minha choça.

- Mas se eu trair-te nada tu sofres,
dou-te os meus cofres, juro por Deus.
Habite eu pobre numa choupana,
tu, soberana nos paços meus.

- Ah, não aceito que é vil desdouro
guarde o tesouro meu bom senhor.
Para tornar-se rica princesa
a camponesa não vende amor

- És muito pobre pr´amor tamanho
segue o rebanho mulher grosseira
Ah, como és tola, como eu te iludo
não passa tudo de brincadeira.

- Se em vossas pompas, a vós senhores,
vendem amores as cortesãs,
essa fraqueza das damas nobres
não mancha as pobres das aldeãs! “

(Partitura acima. Clique para ampliar)

terça-feira, 3 de maio de 2011

A dinâmica do Folclore na vivência atual

A DINÂMICA DO FOLCLORE NA VIVÊNCIA ATUAL
( Excerto de trabalho que apresentei no IV Seminário de Ações Integradas da Comissão Nacional de Folclore – em São Paulo, setembro de 2008)

O tema desta exposição é a dinâmica do folclore na vivência atual, ou seja, num mundo capitalista, globalizado, tecnológico, informatizado, e ainda com extrema rapidez e fronteiras ilimitadas de comunicação. A dinâmica cultural é responsável por transformações permanentes na cultura folclórica sem que esta se distancie substancialmente da gênese da tradição. Folclore-cultura acompanha a evolução da sociedade absorvendo as inovações, reelaborando-as e assumindo para si uma parcela do novo, moderno, tecnológico, porém reinterpretado de maneira espontânea. Por esta razão, Folclore integra de maneira importante a identidade sócio-cultural de grupos, sociedades, nações, até continentes. Lembremos a Recomendação sobre a Salvaguarda do Folclore, da UNESCO, que reza: “...folclore faz parte do legado universal da humanidade e é um poderoso meio de aproximação entre os povos e grupos sociais existentes e de afirmação de sua identidade cultural”. (Garcia, 2000).
Queria destacar ainda que folclore não é privilégio do “povo” (classe de menor poder aquisitivo) mas que permeia todas as classes de uma sociedade moderna.
Daí se insere a relevância epistemológica do processo cognitivo do folclore e a necessidade de se atingir um patamar mais profundo na essência desta cultura: o Significado
O Significado é uma dimensão indispensável na interpretação da cultura. Escreveu Clifford Geertz: “...o homem é um animal amarrado a uma teia de significados” e definiu o conceito de cultura como essencialmente semiótico: “...ciência interpretativa à procura do significado”. Em semiótica temos: o signo ( a representação do objeto), o objeto e o interpretante . A palavra Significado é usada para indicar “o interpretante declarado de um símbolo” (Peirce, 1977). Portanto só existe a significação quando há uma mente interpretando em qualquer nível de espaço / tempo, nação, cultura, local, etc.
O meu argumento para esta reflexão baseia-se na experiência pesquisa-ensino de folclore por mais de vinte anos onde a atualização do folclore é fartamente comprovada, assim como a sua mobilidade entre as classes sociais, o que fica evidente nos relatórios de história-de-vida dos alunos, os “documentos-ego”, que fazem parte da avaliação no meu curso de folclore. Segue uma pequena amostra de comunicação folclórica via computador.
Do relatório de César Albino (1995) - paulista, professor de saxofone e prática de conjunto. Enfocando o folclore na intercomunicação pela Internet, o aluno analisou tópicos de seus e-mails, os “emoticons”, símbolos visuais de emoções, [...] Segue o e-mail recebido de uma amiga.

“Lembra-se da língua do “p”? pois é, temos a língua do BBS também.Seguem alguns exemplos, coisas de almanaque...vc sabe... É verdade que alguns símbolos não são nem usados, mas veja que alguns vc deve reconhecer de outras MSGs. Se alguém quiser colaborar com o acervo, please...!!!

: - ( Triste
: - ) Alegre
: - ] Pequeno sarcasmo
* Papai Noel
: - Q Fumando cigarro
[ 8 - ] Frankenstein
: - p Língua de fora
: - x Beijinho, beijinho
: - # Censurado
} : - > Diabinho (culpado)
; - > Piscando o olho
8 - ) Eu uso óculos
( : - ) Careca
{8 < > Pato Donald
B - ) Batman
: - { > Bigodudo
[ ] Abraço
<:*) Palhacinho
:-* Oops!
: >>> Gargalhada

Se ainda não entendeu nada, aproxime a sua cabeça do ombro esquerdo para ver cada símbolo.
Um forte [ ] cheio de :- ), ta bom?”
(Assinatura)

O Folclore
Há numerosos abordagens conceituais a respeito de Folclore-cultura que não caberiam na extensão deste estudo. Conceito não é dado ou repassado pela ideologia; o conceito é criado a partir da prática. Assim sugerimos, embasados em Rossini Tavares de Lima (!985) e na experiência própria, o seguinte: Folclore constitui a cultura espontânea que participa da sociedade letrada e tem a caracterizá-la a livre aceitação coletiva; sua difusão se dá na interação social por meio da imitação e do condicionamento inconsciente.
Folclore é um conjunto complexo de manifestações e conhecimentos desenvolvidos livremente no contexto social e cujas normas são legitimadas pelo comportamento padronizado, vale dizer, costumes. Costume é o “conjunto de modelos de comportamento operantes em determinada comunidade” (Satriani, 1986). Folclore permite a interpretação do homem por meio do seu sistema de símbolos criado assistematicamente no aprendizado, na invenção, na imitação, na reinterpretação. Folclore representa a concepção de mundo e a experiência de vida de sociedades para as quais tem função e significado.
Folclore-cultura é uma das formas de representar, construir, assumir, expressar, imaginar, idealizar, transmitir a identidade de uma sociedade, de um grupo social, de uma região, de uma nação. O que explica a sua constante atualização. As outras formas de representação da identidade, no universo cultural dos grupos humanos contemporâneos, são construídas pelas vias da cultura erudita e da cultura de massa, e se relativizam de acordo com o contexto sócio-econômico, político, ambiental. Folclore interage com as culturas erudita e de massa e pode se apropriar de elementos seus reelaborando-os espontaneamente por meio da reinterpretação. ( Ex: Menino da Porteira, canção da cultura de massa apropriada como “ponto” de candomblé) . Roberto Benjamin (2004) refere que a aceitação coletiva “ torna possível considerar folclóricos os fatos originários da cultura da elite e da cultura de massa que tenham sido aceitos e reinterpretados pelo povo”. Vale a reciprocidade: quando as culturas erudita e de massa vão beber nas fontes do folclore. (Exemplos: a escola nacionalista com Villa-Lobos e tantos outros; Marinheiro só, do candomblé, na MPB. ) Podemos inserir aqui o conceito de “circularidade”, identificado por Bahktin (apud Ginsburg, 1987), a “circulação fluida” citada por Roger Chartier ( apud Hunt, 1992) e outros cientistas sociais.
Por ser vivência e experiência, o Folclore, cultura informal, atualiza-se acompanhando a evolução da coletividade, adentra a modernidade, navega na globalização e sente-se à vontade com a nova tecnologia. Podemos refletir junto com Renato Ortiz que condena o pensamento da evolução linear do tempo que define o passado como anacronismo no presente quando o que acontece é que a globalização “caracteriza-se pela emergência do novo e a redefinição do velho” (Ortiz, 2007, p.10). No mesmo contexto convivem diferentes temporalidades. É desnecessário opor tradição a modernidade, local a global. Estudando a moderna tradição brasileira, esclarece Ortiz (2001) que no Brasil há uma dinâmica de interpenetração entre o tradicional e o moderno. Como se fosse uma tradicionalização do moderno. O processo cultural brasileiro é instigante e contraditório: à frente, uma modernidade utópica e ao mesmo tempo a tradição que traz o passado ao presente. Há uma ruptura não resolvida para realização do moderno o que traz sempre um contexto de complexidade.

O espontâneo
Discutindo o “espontâneo”, termo polêmico, e o “informal”, vamos colocar: espontâneo vem do latim sponte, spontaneus = de livre vontade, voluntário. No dicionário brasileiro: espontâneo = voluntário; que se desenvolveu sem cultura (sic); natural . E o verbete: informal = isento de formalidade; o que não é imposto . Os dois termos especificam a cultura que chamamos de folclore.
Podemos refletir sobre o “espontâneo”: tudo é espontâneo e nada é espontâneo. Com exceção dos atos biológicos, praticamente todas as ações humanas nascem espontaneamente, embora a maior parte delas, voluntária ou involuntariamente acabe por se enquadrar em determinações alheias à vontade inicial. (Por exemplo, um jovem escolhe de livre vontade estudar música e se encaminha a uma instituição especializada. Ali, porém, terá que se inserir no sistema e seguir normas impostas mesmo que contrariem a sua vontade). Por outro lado, nada é espontâneo uma vez que o ser humano tem que se adaptar ao meio ambiente e às leis sociais ( educação convencional, governo, política, economia e outros). O “espontâneo”, “o que não é imposto” é preservado pelos costumes, pelo senso comum e está implícito na aceitação coletiva, esta sim, espontânea, com liberdade de escolha. Para Roberto Benjamin(2004), as expressões folclóricas “ nascem da comunidade, não surgem de decretos e portarias; não se aprendem nas escolas através de exercício sistemático mas com a convivência, de forma quase inconsciente e progressiva...”

O folclore é universal e tradicional em seus temas e motivos, que devem ser considerados invariantes. É regional e atualizado na ocorrência das variantes que são o resultado da criatividade do portador do folclore e de sua comunidade. [...] Os portadores de folclore não são, portanto, nem ágrafos, nem pré-lógicos e não vivem marginalizados em guetos, isolados do conjunto da sociedade brasileira ainda que o seu acesso a bens materiais e imateriais seja restrito. (Benjamin, 2004, p.22-23)

Tradição
Tradição em folclore só pode ser compreendida como um traço que vem do passado, tem significado e função no presente e projeção para o futuro (podendo ou não se perpetuar). Renato Almeida (1974) escreveu que a tradição folclórica é “ a experiência humana que vai do passado ao futuro e é sempre presente, atual e viva, um elo de continuidade”. Admite permanentes invenções, transformações de valores e uma constante improvisação. O elemento qualitativo depende menos do tempo do que da receptividade do grupo social. Não se despreza a influência do passado mas não se pode admitir que seja ela “ essência substancial do folclore”. Há uma recriação infatigável do povo e a aceitação dos fenômenos se dá pela sua função atual, não por ser resíduo do passado. Cada invenção ou descoberta pode ser incorporada pelo povo ao seu patrimônio cultural ao ser reinterpretada em nível de folclore. Benjamin (2004) afirma : “ A tradição é a matriz do fato folclórico à qual as restrições e renovações devem ser fiéis”. E acrescenta que ela “é entendida hoje como uma continuidade, onde os fatos novos se inserem sem uma ruptura com o passado, mas que se constroem sobre esse passado...” .

Alguns livros que embasam este texto
ALMEIDA, Renato. Inteligência do Folclore. 2 ed., Rio de Janeiro: Editora Americana; Brasília: INL, 1974.
BAJTIN, Mijail. La cultura popular em la Edad Media y en el Renacimiento.
Madrid: Alianza Editorial, 1987.
BENJAMIN, Roberto. Folkcomunicação na sociedade contemporânea. Porto Alegre:Comissão Gaúcha de Folclore, 2004.
BURKE, Peter. O que é História Cultural? Rio de Janeiro: Zahar, 2005.
CHARTIER, Roger. Textos, impressões, leituras. In HUNT, Lynn, A nova história cultural. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
GARCIA, Rose Marie Reis. Folclore. Para Aprender e aplicar folclore na escola. Org.
Porto Alegre: Comissão Gaúcha de Folclore/ AL do Estado do Rio Grande do Sul, 2000.
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC-Livros Técnicos e Científicos Editora S. A.,1989.
GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
LIMA, Rossini Tavares de. Abecê do Folclore. 6 ed., São Paulo: Ricordi, 1985.
LIMA, Rossini Tavares de. A Ciência do Folclore. São Paulo: Ricordi, 1978.
ORTIZ, Renato. A moderna tradição brasileira. São Paulo: Brasiliense, 2001.
______________ Cultura brasileira e identidade nacional. São Paulo: Brasiliense, 2006.
PEIRCE, Charles S. Semiótica. São Paulo: Perspectiva S. A., 1977.
SATRIANI, Luigi M. Lombardi. Antropologia cultural e análise da cultura subalterna. São Paulo: Hucitec, 1986.



sexta-feira, 22 de abril de 2011

Semana Santa e Páscoa no Folclore Brasileiro

SEMANA SANTA E PÁSCOA NO FOLCLORE BRASILEIRO
Tempo mágico, cheio de “coisas proibidas e coisas que dão sorte!”

QUARESMA
Antes de falarmos na Semana Santa, vamos lembrar a quaresma, tempo intermediário entre o carnaval e a Páscoa. Quaresma, período de penitência para católicos e ortodoxos, marcado por tabus e proibições, dura 46 dias a partir da 4ª feira de cinzas até o domingo da Ressurreição. Há notícias desta tradição desde o século III.
Na quaresma acontece uma notável expressão do catolicismo-folclórico chamada Recomenda de Almas, Encomendação das Almas ou Penitentes. Constitui grupos de pessoas que cumprem um ritual no qual se articulam significados religiosos, mágicos e simbólicos a partir do conceito alma dos mortos na visão popular. Nas sextas feiras da quaresma, tarde da noite, no silêncio e na escuridão, culminando na sexta feira da Paixão, estes grupos percorrem casas, igrejas (fechadas nessa hora), cemitérios, cruzeiros ou capelinhas de beira de estrada, pedindo orações para as almas perdidas, por meio de uma cantoria específica. Geralmente são almas de pessoas que não tiveram morte natural como os assassinados, queimados, os afogados – estes, “as almas das ondas do mar”. Em alguns grupos os componentes, que podem ser homens e mulheres, cobrem o corpo com um lençol branco simbolizando a mortalha. Quando cantam diante de uma residência, os habitantes não devem acender as luzes, abrir portas ou janelas nem se comunicar com os cantores pois correm o risco de ver as almas penadas que os acompanham.
A matriz das Recomendas de Almas está no culto aos mortos presente nos ritos funerários de culturas ancestrais que com o advento do cristianismo foram reinterpretados de acordo com as normas da Igreja.
A música vocal é uma harmonia composta de várias vozes, às vezes até sete, em estilo responsorial. E o acompanhamento instrumental é feito com matracas, algumas vezes com o zumbidor também chamado berra-boi. Este é um pequeno artefato retangular achatado construído de madeira, cerâmica ou pedra que, amarrado na ponta de um barbante e girado no ar sobre a cabeça do executante (um aerofone livre, portanto) produz um som forte, insistente e perturbador. É conhecido desde culturas muito antigas e nos mais diferentes lugares, como Austrália, Europa, África, índios sulamericanos. Curioso é que é sempre proibido às mulheres ouví-los e mais ainda, manuseá-los.

SEMANA SANTA
Ao lado das cerimônias oficiais promovidas pela Igreja católica, encontram-se, com muito vigor, os rituais e costumes espontâneos da Semana Santa praticados no contexto da cultura popular-folclórica. São um conjunto complexo de elementos que resultam da reinterpretação popular dos textos evangélicos e de conceitos europeus anônimos surgidos em algum momento da Idade Média. Por exemplo, no século VIII a Igreja proibiu os cristãos de tocar sinos (e músicas profanas) da 5ª feira ao sábado de Aleluia. Sugeriu que os substituíssem batendo pequenos pedaços de madeira como faziam os fiéis escondidos nas catacumbas quando não possuíam sinos e eram perseguidos pelos soldados romanos. Essa teria sido a origem das matracas que se tornaram instrumentos oficiais da Semana Santa.
Dentre os rituais folclóricos da Semana Santa podemos observar as grandes procissões: a do Enterro, cheia de figuras bíblicas, a das Dores que é o encontro de Nossa Senhora com o Filho, aquelas chamadas Fogaréu, onde se conduzem tochas acesas para simular a procura de Jesus para que seja preso, e outras – organizadas pelo povo, não pela Igreja. Da mesma forma, as representações teatrais da Paixão de Cristo efetuadas pelas coletividades por iniciativa própria.
Há um grande número de proibições, crendices e práticas mágicas. Jejum sexual é das proibições mais generalizadas. Outras: não casar, não fazer festa, não bater em crianças, não trabalhar. Para dar sorte: visitar sete igrejas; guardar as flores que enfeitarem o esquife do Senhor Morto na procissão do Enterro; comprar aneizinhos e correntes de prata na 6ª feira da Paixão.

PÁSCOA
A Páscoa é pré-cristã e provém do costume pagão muito antigo de comemorar a entrada da primavera no hemisfério norte, coincidindo com o equinócio de primavera, quando termina o longo e rigoroso inverno e retorna o calor, o sol, a vegetação; os coelhos saem das tocas e são vistos pulando pelos campos. A vida se renova.
O Antigo Testamento descreve a pessach que é a passagem da escuridão para a luz (a Páscoa), festa que comemora a libertação, por Moisés, do povo hebreu escravizado pelo faraó do Egito. É a conhecida estória das sete pragas enviadas por Deus, a fuga dos hebreus e a abertura do mar Vermelho para permitir sua passagem.
A Páscoa cristã, já como ritual do Novo Testamento, não é mais do que a reinterpretação daquele episódio: a ressurreição de Cristo é o símbolo da libertação dos hebreus ou a passagem da escuridão para a luz; a óstia é o pão ázimo (sem fermento – na fuga dos hebreus não havia tempo para esperar a massa fermentar) e torna-se metáfora do corpo de Cristo; o vinho, tradicional da ceia dos hebreus, significa o sangue de Cristo – tudo representado na missa da Páscoa e nas missas tradicionais da cristandade.
Em inglês a Páscoa chama-se easter, derivado de Eostre, deusa germânica da fertilidade, celebrada no equinócio da primavera com seu símbolo o coelho.
Na Escócia a Páscoa é conhecida como Paiss.

O COELHO
O coelho, em muitos países, é o totem da Páscoa porque simboliza a fertilidade (reproduz-se muito), vale dizer, o recomeço da vida. No hemisfério norte, no início da primavera,o animalzinho saía das tocas onde passara o inverno e passava a saltitar pelos campos. Como símbolo pascal, foi trazido ao Brasil pelos imigrantes alemães cerca do século XVIII. Em alguns lugares o coelho é substituído, como em Paris por exemplo,que se encontra a galinha da Páscoa.

OVOS DE PÁSCOA
O ovo contém em si uma vida nova. A ressurreição, portanto. Em muitas culturas antigas, como na chinesa,nas cortes francesas no século XVIII, etc., tinha esse significado e ovos de ouro e pedras preciosas eram dados como presente a pessoas importantes.

A DATA DA PÁSCOA
A Páscoa é uma festa móvel anual cuja data é referência para se estabelecer as outras datas festivas. A primavera no hemisfério norte tem início no dia do equinócio de primavera: 21 de março. No primeiro domingo de lua cheia a partir de 21 de março, a cada ano, comemora-se a Páscoa. Este calendário obedece a uma tabela lunar estabelecida por um astrônomo grego chamado Meton, em 430 antes de Cristo. Meton tabulou um ciclo de 19 anos solares e 235 meses lunares chamado Número Áureo que estabelecia o ano com 365 dias aproximados. Pela relativa precisão e praticidade, foi utilizado nos cômputos eclesiásticos.
Tendo como referência a Páscoa, determinam-se o carnaval, 46 dias antes, e Pentecostes, 50 dias depois.

A QUEIMA DE JUDAS
Provém do rito ancestral do Fogo Novo, de origem hebraica que sobreviveu no rito romano recodificado. O Fogo Novo comemorava festivamente o fim do inverno no hemisfério norte quando as comunidades acendiam grandes fogueiras ao lado dos templos e os sacerdotes benziam o fogo. Geralmente rapazes saíam em bandos gritando : “Fogo Novo!”
A igreja cristã adaptou o ritual pré-cristão aos seus desígnios, primeiro denominando-o de Fogo de Judas e depois induzindo a queima do boneco que simulava o traidor de Jesus. É uma prática encontrada em quase toda a Europa.

Leituras sobre este texto: Uma leitura transdisciplinar do fenômeno sonoro (Sobre Recomenda de Almas) de Sonia Albano (org); Folclore das festas cíclicas, de Rossini Tavares de Lima

Procissão do Fogaréu em Goiás Velho





A Procissão do Fogaréu em Goiás Velho
em seus aspectos de Folclore

Meia-noite, as luzes da cidade apagadas, o som de um ritmo especialmente lúgubre da fanfarra e uma multidão com tochas acesas seguindo, em marcha acelerada, um grupo de encapuzados...
Quem chegar desavisadamente à cidade de Goiás, GO, na noite da Quarta-feira de Trevas, durante a Semana Santa, e não conhecer as tradições religiosas locais, por certo levará um susto. Talvez imagine que por algum processo sobrenatural tenha retrocedido à Idade Média. Estará porém presenciando a Procissão do Fogaréu, um dos rituais que dão início às solenidades da Semana Santa.
Goiás Velho como carinhosamente é chamada a cidade, que foi capital do Estado até 1937, é fruto do ciclo da mineração do ouro cuja memória está guardada nos velhos casarões coloniais, nas igrejas antigas, no chafariz no meio da praça, no calçamento e traçado mal alinhado das ruas e becos. Foi fundada em 1727 pelo bandeirante paulista Bartolomeu Bueno da Silva. Tem à sua volta, como uma moldura, a Serra Dourada e é cortada pelo Rio Vermelho – o mesmo que nos idos de 1674, Bartolomeu Bueno da Silva, o pai, cognominado o Anhangüera (significa diabo velho), ameaçou incendiar iludindo os índios Goiá ao colocar fogo em uma bacia com aguardente para obrigá-los a lhe mostrar as jazidas de ouro. Um grande bandido, o Anhangüera, cuja memória devia ser execrada! Levou o ouro e os índios Goiá aprisionados para serem vendidos como escravos.
A Vila Boa de Goiás, em 1745, recebeu como vigário um padre espanhol chamado D. Perestelo de Vasconcelos Espínola. Segundo os registros da Igreja local, ele aí implantou as cerimônias da Semana Santa semelhantes às de sua terra natal na Espanha inclusive a Procissão do Fogaréu que recebeu as adaptações inevitáveis dadas às carências do lugar e as grandes diferenças históricas, geográficas, econômicas, sociais.
Atualmente a Procissão do Fogaréu se realiza na 4ª feira de Trevas, tem início cerca de meia- noite na porta da igreja da Boa Morte (hoje Museu de Arte Sacra) e tem a finalidade de reconstituir simbolicamente a busca e a prisão de Jesus. Um grupo de homens encapuzados carregando tochas acesas abre o cortejo. São os farricôcos. Farricoco ou farricunco, segundo o Novo Dicionário Universal Português, Editora Tavares Cardoso & Irmãos, Lisboa, é o que acompanha à tumba; penitente de procissão coberto com capuz.
Os farricôcos vestem-se com longas túnicas de cetim de cores diferentes, usam um capuz cônico com orifícios para os olhos e a boca, carregam grandes tochas de prata e têm os pés descalços como podemos ver nas fotos que ilustram este relato. A caminhada é feita em marcha acelerada ao som dos tambores de uma fanfarra e a multidão que acompanha desordenadamente também leva pequenas tochas. A fanfarra tem cinco toques, isto é, cinco marcações rítmicas diferentes, criadas especialmente para a ocasião.
O percurso deste cortejo inclui uma passagem na Igreja do Rosário onde se vê, no alto da escadaria, a mesa desfeita da Santa Ceia. Um farricoco pergunta ao “hospedeiro”que ali se encontra, onde está Jesus. Este responde que já ceou e foi para o Horto das Oliveiras. A procissão retoma a marcha acelerada e vai até a Igreja de São Francisco que simboliza o Horto das Oliveiras, igreja que possui uma enorme escadaria formando um ângulo reto. Só um encapuzado, vestido de branco, sobe os degraus e entra. Os demais posicionam-se abaixo, guardando a entrada..
Dá-se então o momento mais solene e impactante do evento: o farricoco assoma ao portal da igreja trazendo nas mãos um estandarte de linho branco pintado com a imagem do torso de Jesus em tamanho natural que eleva e exibe para a multidão silenciosa. Ao mesmo tempo, outro deles executa num clarim o tradicional toque de silêncio. Jesus está preso. A emoção toma conta dos presentes e muitas pessoas choram. (Foto acima)
Com a representação simbólica de Jesus prisioneiro à frente, e o ritmo da fanfarra, a procissão retorna à Igreja da Boa Morte, o estandarte é baixado vagarosamente até o chão, todos apagam suas tochas e se retiram calados. Está encerrado o ritual.

Uma observação a respeito do estandarte: ele foi pintado no século XIX por Veiga Vale, famoso artista goiano cujas obras, hoje valiosíssimas, são reconhecidas até no exterior. Especial para a procissão do Fogaréu, espelhava Jesus de corpo inteiro com quase dois metros de altura, tinha frente e costas e era “vestido” em uma tábua larga. Durante alguns anos em que não se realizou a procissão, ficou guardado em um baú da igreja e acabou sendo atacado por insetos que lhe destruíram a parte inferior. Por isso, hoje só tem o torso de Jesus.


Excerto de artigo publicado no D. O. Leitura, caderno literário do Diário Oficial do Estado de S. Paulo em março de 1991, proveniente de pesquisa realizada em Goiás por vários anos, inclusive 1991.
Fotos do site: http://www.vilaboadegoias.com.br/fogareu.htm

domingo, 27 de fevereiro de 2011

História e Estórias das lutas de cristãos e mouros

A HISTÓRIA E AS ESTÓRIAS DAS LUTAS DE CRISTÃOS E MOUROS NO IMAGINÁRIO POPULAR
Ritos, signos e símbolos

Esta é uma história milenar que sobrevive em estórias e eventos diversos no folclore brasileiro, as quais destacam Carlos Magno como herói do cristianismo. Estórias de poetas populares contadas e cantadas em prosa e verso, principalmente na literatura de cordel. Estórias também como textos-matrizes das representações dramático-coreográficas das congadas, alardos e cheganças, com seus cantos e ritmos de conjuntos instrumentais. E é mais explícita ainda nas versões da cavalhada, grande teatro a cavalo no qual cavaleiros armados revivem com intensa simbologia a guerra santa das cruzadas.
Com toda a sua fabulação-mitificação, a raiz deste mote mouros/cristãos, encontra-se na história real do ocidente, na Idade Média, e reforça o capítulo da imposição da supremacia cristã sobre o islamismo.

Vamos lembrar dois destes espetáculos dramáticos que pertencem ao universo do teatro folclórico brasileiro: a cavalhada de Pirenópolis, GO, que documentei pela última vez em 1992, e o alardo denominado Mouros e Cristãos, em Alcobaça, BA., registrado por Fernanda Macruz em 1987.

A Cavalhada, uma encenação eqüestre ao ar livre, representa a guerra religiosa entre cristãos e mouros e a vitória do cristianismo culminando com o batismo dos mouros. Os “exércitos”, levando suas bandeiras são organizados em dois grupos cada qual com seu rei, embaixador e soldados. Os cristãos são Carlos Magno e os Doze Pares de França, vestidos de azul; os mouros, o Sultão de Alexandria e seu exército, trajando vermelho. (Em alguns lugares há uma princesa e um príncipe, filhos do rei mouro. A jovem acaba raptada pelo inimigo e converte-se ao cristianismo. Na cavalhada de Pirenópolis não há estas personagens).
Usando três armas, garrucha, lança e espada, por três dias os cavaleiros simulam batalhas em campo aberto, precedidas pelas embaixadas: mensagens insultuosas trocadas pelos reis por intermédio de seus embaixadores e cujo teor é conclamar o inimigo a trocar de religião. Os combates são simbolizados pelas evoluções realizadas no campo, pelos cavalos habilmente cavalgados e na mais alta velocidade. O galope é marcado pelo ritmo da música tocada pela banda de música. Os mouros são derrotados e convertidos à fé cristã em ritual de batismo que comove o público presente. Seguem-se jogos de confraternização que são memória dos torneios medievais e dos exercícios militares dos cruzados. Os principais são o Jogo da Argolinha, no qual uma pequena argola pendurada em alta trave é retirada pela ponta da lança do cavaleiro a galope e entregue à dama que ele deseja homenagear. O outro jogo é o Tira Cabeça ou Cabecinhas, sendo estas, réplicas confeccionadas em massa de papel e que colocadas sobre estacas são atingidas pelas três armas.

Em Alcobaça, sul da Bahia, vamos encontrar o alardo chamado Mouros e Cristãos. Alardo é teatro dramático folclórico, na mesma linha da congada, que simula luta entre dois grupos. São duas facções inimigas: os “soldados mouros”, que roubam a imagem de S. Sebastião, cuja festa se comemora, levando-a sorrateiramente para o outro lado do rio que banha a cidade; e os “soldados cristãos”, guardiões da fé, responsáveis pela devolução do ícone à igreja. Os dois grupos têm espadas como arma. Legítimo teatro ao ar livre, conta com a participação da comunidade e desenvolve-se em dois dias. O ponto culminante é o episódio das embaixadas e a guerra entre os rivais quando os mouros atravessam o rio em três barcos vermelhos conduzindo o estandarte com a meia-lua e a disputada imagem. Os cristãos exigem a sua conversão, o que evidentemente não é aceito e inicia-se a batalha – luta de espadas pelas ruas da cidade - enquanto o “santo” fica protegido no forte que é uma palhoça improvisada com folhas de coqueiro. No dia seguinte, em combate final a imagem é recuperada, os mouros batizados e vendidos aos presentes para se obter dinheiro para a comemoração da vitória com bebidas alcoólicas.
Temos aí duas representações cheias de rituais, signos e símbolos com os mesmos mecanismos e ideologia: o poder da fé cristã, a verdadeira, vencendo os seguidores de Maomé, os infiéis. O eterno maniqueísmo do bem contra o mal. No entanto, observa-se que a simbologia primordial do poder cristão é ofuscada pois o que conta mesmo é o costume de repetir um ritual considerado “antigo”, lúdico, de congraçamento social, que envolve e entusiasma as comunidades.

Mircea Eliade explica:

“O símbolo, o mito e o ritual expressam em planos diversos e com os meios que lhe são apropriados, um complexo sistema de afirmações coerentes sobre a realidade final das coisas. No entanto, é essencial que compreendamos o profundo significado de todos esses símbolos, mitos e rituais para podermos traduzi-los para nossa linguagem.”

Cada ritual tem um modelo, um arquétipo e para se tornar real, tem que repetir o arquétipo, isto é, o modelo exemplar, o paradigma. O arquétipo no nosso caso inclui-se na categoria “rivalidade entre dois grupos”. Sua repetição é como uma renovação no imaginário popular.
O nível simbólico está sempre presente na relação entre o bem e o mal. No imaginário popular, o mouro, o turco, o árabe ou qualquer outro muçulmano era o blasfemo, o cruel, o sanguinário que renegava a Deus e não uma pessoa com religião própria e direito de exercê-la. Os cristãos eram sempre os piedosos, corretos e estavam no caminho do bem. Este conceito ou preconceito historicamente construído é impactante no período das cruzadas.
Lembrando a História, após a primeira cruzada, em 1095 foi criada a Ordem dos Cavaleiros Templários, uma milícia de religiosos, soldados de Cristo, para proteger a Terra Santa, o Santo Sepulcro e os peregrinos europeus que se dirigiam a Jerusalém. A ordem recebeu enormes recursos das cortes européias, tornou-se rica e poderosa, passou a guardar riquezas de terceiros, emprestou dinheiro como um banco internacional. Seus sacerdotes-soldados faziam voto de castidade e pobreza. Quem escreveu as regras que regiam a Ordem foi o abade francês Bernardo de Clairvaux, o maior e mais respeitado intelectual europeu da época e depois canonizado como São Bernardo. Pois bem, deve-se a ele a instituição do “malicídio” - o direito de matar infiéis porque eram os representantes do mal. Essa concessão opunha-se ao homicídio, proibido nos 10 Mandamentos.

O simbolismo das cores mantido através de séculos resulta da reinterpretação popular de conceitos surgidos na tradição cristã em algum momento da Idade Média, influenciados pelos paramentos litúrgicos: o azul é a cor do céu, do cosmo, da paz, do manto de Nossa Senhora. O vermelho é cor do fogo, do demônio, do pecado. A dicotomia azul /vermelho, por extensão, exerce forte influência na mentalidade popular.

Dos signos, considere-se a espada, um signo icônico, vale dizer, aquele que tem a forma da coisa que representa. A espada é a arma adequada aos chefes e conquistadores. É arquétipo no qual está contida a significação de todas as outras armas. Tem qualificação para atuar nos mais diferentes contextos sociais e sua importância é justificada pela função de proteger o ideal de justiça. Jerusa Pires Ferreira, que escreveu Cavalaria de Cordel, revela como a espada é lúdica e mágica no ato de cortar o ar e tirar faíscas do aço desafiador. Sua nobreza, relacionada ao rito medieval da sagração do cavaleiro, de compromisso com valores morais, faz dela objeto sagrado de significação cultural ímpar.

Os estandartes dos exércitos, assim como sua indumentária, principalmente a indispensável capa bordada, oferecem rico material de símbolos e signos. Na bandeira vermelha a meia-lua é um signo índice, isto é, aquele que indica. Indica que aquele exército é mouro. O mesmo para a cruz sobre fundo azul, signo índice que aponta o exército cristão. O vermelho da capa dos mouros é enriquecido com abundantes bordados, brilhos e ornamentos cujo significado, explicado pelos participantes, é que eles invadiram o território cristão e se apossaram de todas as suas riquezas. Isso explica o luxo das capas. Já os cavaleiros do outro partido tem símbolos cristãos como cálice, hóstia, pomba do Divino.

Falemos das “embaixadas”, os arrogantes desafios verbais que os reis cristão e mouro trocam entre si, primeiro por meio dos “embaixadores” e depois pessoalmente e que incitam o início da guerra. Carlos Magno simboliza o monarca cristão “que professa a lei de Cristo e adora as Três Pessoas da Santíssima Trindade”. O Sultão da Mauritânia é o chefe mouro, “senhor de meio-sol e meia-lua e de todo o mar Vermelho”. Professa a lei de “Mafoma” (Maomé).
Na história da guerra santa, houve vários episódios nos quais os cristãos se viram acossados em suas fortalezas, cercados por exércitos islâmicos infinitamente superiores em número de soldados. Os Templários, apenas como um dos exemplos, viveram essa situação frente ao grande e poderoso chefe islâmico Saladino que, embora inimigo, era considerado respeitoso e leal. Trocaram mensagens – embaixadas - na vã tentativa de convencer o opositor a se render. Vitorioso , Saladino na batalha de Hattin, foi o responsável pela queda de Jerusalém, em 1187.
A representação do modelo “embaixada” é tão forte na tradição popular do Brasil que se transporta a determinadas congadas de aculturação africana, nas quais é enviada uma embaixada à personagem rainha Ginga, de um reino africano.

A história de Carlos Magno tornou-se literatura popular na Espanha influenciada pelas canções de gesta francesas, difundidas pelos jograis que acompanhavam as comitivas dos cavaleiros em romaria aos lugares santos. Principalmente Santiago de Compostela. Da Espanha passou a Portugal onde era o livro mais lido pelo povo no fim do século XIX. Trazido ao Brasil, teve ampla aceitação popular como livro ou folheto de cordel.
A história relatada é fantasiosa pois situa Carlos Magno lutando nas cruzadas, o que não é real. De certa forma, ocorre com Carlos Magno a transformação de uma figura histórica em herói mítico, fato não incomum e que fornece às canções épicas seus heróis. A memória do povo, que é ahistórica, encontra dificuldade em guardar imagens de acontecimentos reais. Ela funciona por meio de estruturas diferentes: categorias, no lugar de episódios e arquétipos, no lugar de personagens históricos. No imaginário popular, Carlos Magno acabou lutando contra infiéis na Espanha, o que nunca ocorreu.

Mircea Eliade explica:

“Tão logo a personalidade histórica recebeu acolhida junto à memória popular, ela foi abolida e sua biografia obteve uma completa reconstrução que se conformava com as normas do mito.”

O irônico é que uma narrativa épica tão antiga,cheia de fantasias, que deu origem ao mote cristãos/mouros, continue tão atual no século XXI. Basta que se abra um jornal do dia...


Leituras deste texto: Mito do Eterno Retorno, de Mircea Eliade; Cavalaria de Cordel, de Jerusa Pires Ferreira; Cavalhadas no Brasil, de Niomar Souza
http://pt.wikipedia.org/wiki/Saladino#Conflitos_com_os_Cruzados
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ordem_dos_Templarios%C3%ATrios#
http://pessoas.hsw.uol.com.br/ordem_dos_templarios3.htm

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Centro de Música Brasileira, um valor nacional

O Centro de Música Brasileira

Osvaldo Lacerda e Eudóxia de Barros, presidente e vice-presidente do Centro de Música Brasileira, estão convidando os músicos, estudiosos e amantes da música brasileira, a se associarem a esta instituição que vive um momento decisivo em sua trajetória, ameaçada que está de encerrar suas atividades. O CMB passa por dificuldades financeiras decorrentes de falta de patrocínios estáveis governamentais ou empresariais, até mesmo para pagar cachês aos artistas que participam de seus concertos. Eventuais patrocínios têm ocorrido na realização de concursos nacionais que contam com participantes de vários Estados brasileiros. E a Cultura Inglesa cede seu auditório à avenida Higienópolis, 449, em São Paulo, para os concertos.
Mas as demandas são maiores e um quadro robusto de sócios seria de grande valia, neste momento.

Lembremos que: 1. o CMB é entidade civil sem fins lucrativos;
2. foi fundado em 18/12/1984 e entrou em atividade em abril de 1985, tendo completado 26 anos ativíssimos, dedicados à música brasileira;
3. visa defender, promover e divulgar a nossa música de todas as épocas e estilos;
4. privilegiou o apoio a jovens iniciantes instrumentistas, cantores e regentes;
5. promoveu concursos nacionais, concorridíssimos, em todas as áreas da música.

Uma assinatura anual de sócio ou a contribuição de um colaborador, dá direito a assistir todos os concertos da temporada de 2011. Valores: R$ 100,00, individual e R$ 150,00, o casal.
Formas de pagamento: cheque nominal cruzado ao Centro de Música Brasileira enviado pelo Correio à rua Santarém, 269, CEP: 01251- 040, S. Paulo, SP
Ou depósito no Bradesco, agência 297-6, cc.54134-6
Centro de Música Brasileira CNPJ: 54.240.023/0001-00
É lamentável constatar como os órgãos públicos responsáveis pela cultura no Brasil são dirigidos por pessoas displicentes, sem nenhum conhecimento, preparo ou consciência para gerenciar uma área da cultura que seja um tesouro nacional, como é a nossa música. Se não fosse isso, o CMB estaria assegurado como um valor nacional.

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Exposição ARTE KARAJÁ


O CENTRO NACIONAL DE FOLCLORE E CULTURA POPULAR-CNFCP
do Ministério da Cultura e
o IPHAN e o Museu Antropológico da Universidade Federal de Goiás

convidam para a exposição

ARTE KARAJÁ

na sede do CNFCP, à rua do Catete, 179 - Rio de Janeiro
aberta até 27 de fevereiro de 2011.

www.cnfcp.gov.br

domingo, 23 de janeiro de 2011

Sonia Albano comenta o Pastoril



Sonia Albano nos endereçou uma mensagem com suas considerações a respeito das postagens que documentam o Pastoril, aqui publicadas e disponíveis a partir de 23 de dezembro de 2010. Professora doutora que tem seu trabalho pautado pela postura da interdisciplinaridade, foi generosa em sua avaliação, esquecendo de mencionar que o incentivo, o entusiasmo e a confiança que nos ofereceu, foi a razão do bom resultado do empreendimento.

Mais uma vez, ressalto a satisfação de ver este site atingindo o objetivo de ser um espaço de interação aberto aos amigos, para nele trocarmos informações, críticas, conhecimentos.


Niomar,

Perfeita a sua colocação sobre o trabalho interdisciplinar ocorrido na Faculdade de Música Carlos Gomes, quando da realização do Pastoril- Um Auto de Natal.
Pudemos sentir em sua narrativa como se produz um trabalho interdisciplinar.
Ficou documentada na sua escrita, a parceria ocorrida tanto por parte dos realizadores do evento, como dos colaboradores, professores, alunos e funcionários.
O apoio incondicional do Diretor Cultural Toninho Macedo, junto à Associação Cultural Abaçai, Cultura e Arte, oferecendo o Parque Água Branca para a produção do Auto; o trabalho da querida Julia Augusta Pereira para a produção do filme; a equipe que elaborou o DVD; a costureira que produziu as vestimentas, foram devidamente mencionados, sem contar a colaboração impar dos professores.
Uma parceria rica, que nasceu de uma simples atividade acadêmica e que se transformou ao longo dos tempos, em um trabalho prazeroso, integrado, onde cada participante doou o melhor dos seus talentos e soube respeitar cada um dos integrantes.
Não poderia deixar de incluir nessa mensagem a abnegação, seriedade e competência com que você conduziu este evento, além do carinho destinado a todos os participantes.
Sinto-me lisonjeada de ter levado a cabo esta atividade acadêmica tão importante para a Instituição, para o Folclore e para a educação musical. Em tantos anos à frente desta Instituição tive o prazer de pelo menos uma vez, ter realizado um evento totalmente interdisciplinar.
Abraços carinhosos

Sonia Albano de Lima


Sonia Albano de Lima é doutora em Comunicação e Semiótica, Área de Artes, Pós-Doutora em Educação, Especialista em interpretação musical e música de câmara, Bacharel em Direito, integra o Programa de Pesquisa da Interdisciplinaridade na Pós-graduação da PUC e é professora do Mestrado em Música na UNESP.

sábado, 22 de janeiro de 2011

Procurar endereço em Roma ou Turim? Tarefa complicada


Dalva Bolognini atendeu meu convite para nos contar sobre sua recente viagem à Itália e os percalços para encontrar um endereço nas ruas de Roma e Turim. Como se sensibilizou com um concerto de canto lírico que assistiu em uma igreja antiga de Roma, nos presenteou com fotos do programa. Chamou sua primeira crônica da viagem de Problemas Urbanos.

Fiquei muito feliz porque este espaço criado para ser uma plataforma de comunicações entre amigos, pela primeira vez cumpre sua função : trocar informações e conhecimentos.


1. Problemas Urbanos

As cidades não são feitas dos degraus que compõem a rua em forma de escada ou da perfeição dos arcos dos pórticos, ou ainda das lâminas de zinco que recobrem os tetos. As cidades são feitas das relações entre as medidas de seu espaço e os acontecimentos do passado. Assim Marco Polo se refere a Zaíra, uma das cidades invisíveis de Calvino.
Visitando recentemente algumas cidades italianas, percebi a dificuldade de se compreender essas relações, nesse caso a numeração dos prédios em suas ruas. Em Turim, o hotel em que minha prima e eu estávamos hospedadas ficava no número 166 da Via Ormea. Pelo mapa que nos preocupamos em adquirir logo ao chegarmos à cidade, podia-se observar que a rua era longa, mas a partir do ponto onde estávamos, número 2, a distância a percorrer não seria mais do que duas ou três quadras. Aos poucos fomos percebendo que a estranha numeração inclui letras que podem chegar ao alfabeto inteiro a cada número, dependendo de quantos complementos um prédio possua: loja, sobreloja, garagem, apartamento. Isso nos fez andar cerca de uma hora na mesma rua até encontrarmos o nosso número, a essa altura tão desejado.
Acostumadas que somos ao sistema métrico da numeração na maior parte das cidades brasileiras, não sabemos os motivos que determinaram outras escolhas em outros tempos. E apoiadas nesse conhecimento, comentamos com um motorista de taxi, ainda em Turim, a dificuldade que tivéramos para nos localizar na cidade, acrescentando a informação sobre o sistema brasileiro muito mais fácil de entender. O homem se ofendeu, disparando que os brasileiros mal chegam e já se põem a criticar o que encontram (ou melhor, o que não encontram), pensam que são os sabidos e eles os ignorantes. Concluiu com uma enérgica preleção sobre a facilidade deles para localizar um endereço – entre duas ruas conhecidas, por exemplo, razão pela qual ele não se deixa enganar por falsas informações daquilo que não existe. Depois disso, ficamos bem quietas e assim permanecemos até descer do taxi.
Dias depois, em Roma, novamente chamamos um taxi por intermédio da recepção do hotel – na Itália o atendimento é feito somente por chamada, de maneira que se o turista estiver na rua sem um “telefonino”, está perdido. Nosso destino era uma igreja pouco conhecida dos roteiros turísticos onde aconteceria um espetáculo de canto lírico, fincada no meio de um quarteirão localizado na zona norte da cidade e que, felizmente, nosso condutor não teve problema para encontrar. Falante e educado, o “autista” nos deixou em uma esquina próxima, mas teve a gentileza de nos explicar que sendo ímpar o número procurado, estaria em ordem crescente, enquanto a numeração do lado oposto seria par e decrescente. A confusão em nossa cabeça aumentou ainda mais.
Porém, na volta para São Paulo, me movimentei a pesquisar o assunto. Descobri que o tema faz parte dos estudos da Geografia, modernamente da Geografia Urbana, que inclui a divisão espacial das cidades e sua identificação para uso oficial, por exemplo, para a correta cobrança dos impostos e taxas e distribuição de correspondência pelos correios. No entanto, cada país ou cidade escolhe seu método. Na Inglaterra as residências recebem nomes, em Nova Iorque os endereços são orientados pelos pontos cardeais, de modo que é fácil saber se fica do lado norte ou sul da cidade, em Brasília a divisão é feita pelo número do terreno dentro de uma quadra e essa dentro do lote. Outros sistemas também são encontrados, mas o que prevalece no ocidente é a numeração pelo sistema métrico.
O que impressiona é que no velho continente ainda persistam sistemas criados há séculos, como o indecifrável método de numeração dos imóveis nas cidades. É possível que em Turim e em Roma o sistema seja o mesmo de Veneza, onde a numeração das casas ocorre a partir do edifício mais importante ao seu redor, o que pode justificar que os números do lado ímpar sejam crescentes e do lado par decrescentes. Tudo começa e termina no mesmo ponto, ou com o mesmo nome. Sei que em nosso passado colonial essa questão foi resolvida mais ou menos dessa maneira, quando se deu numeração às residências no centro do Rio de Janeiro a partir do Paço Imperial, edifício que primeiro abrigou os fazeres administrativos do reinado de D. João VI no Brasil. Acabei sabendo também que atualmente as câmaras municipais de Portugal se encontram em fase de modificação do modelo de endereçamento, adaptando-o ao sistema métrico.
Para compensar, no mesmo velho continente é raro se encontrar um telefone público, até para chamar um taxi. Ou se tem um ”telefonino”, ou se está perdido no meio da Via Ormea!
Dalva
Nov.2010


Dalva Bolognini é formada em folclore brasileiro, graduada em comunicação social e pós-graduada em museologia. Fomos colegas de trabalho e diretoria no Museu de Folclore Rossini Tavares de Lima.