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sexta-feira, 26 de novembro de 2010


Almeida Prado, um grande compositor que nos deixou

Em Medjugorjie, na ex-Iugoslávia e atual Bósnia-Herzegovina, registram-se, desde 1981, aparições da Virgem Maria, testemunhadas por devotos com poderes extrasensoriais. Pessoas de fé, dos mais diferentes lugares do mundo, afluem à cidade-santuário com a finalidade de participar da experiência mística. Dentre essas pessoas, um dia se encontrava José Antonio de Almeida Prado que contou sua experiência em entrevista concedida à jornalista Ana Lúcia Vasconcelos, em 2007. Ele revelou que sentiu a presença de Maria perto dele e teve a certeza do amor de Deus. Dedicou horas às orações e ao rezar diante de uma cruz de madeira, sentiu que Jesus falava “ dá-me tua vida” e constatou que era um instrumento de Cristo.
(A íntegra dessa entrevista está no site “Cronópios-Literatura & Arte plural” e há uma síntese no site “Queridos Filhos”).

Em razão dessa revelação, em 1987 compôs a obra Rosário de Medjugorjie: 15 peças sobre os mistérios gozosos, dolorosos e gloriosos, incluindo as mensagens de Nossa Senhora aos videntes que a receberam. A extensa obra tem uma linguagem transtonal.

Eu quis começar este texto destacando um lado sensível do compositor, que me emociona, qual seja o de sua sincera religiosidade e misticismo que ele confessava sem reservas, como em entrevista a Ronaldo Miranda, em 1975: “ no momento, procuro a religiosidade não só nos temas sacros, mas em todas as manifestações humanas. Ao compor, quero transmitir o que há de mágico e sagrado nas coisas que nos cercam. Quero descrever o medo, a alegria, o êxtase, o pânico, o silêncio. Quero dar à religião um sentido de vida universal e atual.” (Este registro está em História da Música no Brasil, de Vasco Mariz, página 396. )

À luz dessa religiosidade, escreveu numerosas obras em épocas diversas, como A Missa da Paz , ainda em 1965, Therèse (L´Amour de Dieu), Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo Segundo Marcos,Ritual para Sexta Feira Santa, A Carta de Patmos, Celebratio Terrae Nostrae, Bendito da Paixão de Jesus de Nazaré, La lettre de Jerusalém, Missa de S. Nicolau, Quinze Flashes de Jerusalém,Adonai Roi Loeçar (com texto hebraico do Salmo 22), Yerushaláim Nevé Shalom.

Almeida Prado foi pianista, doutor em música e compositor de música erudita contemporânea – um dos mais importantes, refinados, criativos e geniais compositores brasileiros, tendo ocupado o mais alto patamar do nosso universo musical. Vasco Mariz chegou a perguntar: “Não será um segundo Villa-Lobos?” (No livro História da Música no Brasil, 5ª ed.)

Nasceu em Santos, SP., em 1943. Estudou com Dinorah de Carvalho, Osvaldo Lacerda e Camargo Guarnieri adotando a princípio a estética nacionalista. Até que Gilberto Mendes lhe emprestou partituras de Stockhausen e Messiaen e ele passou a procurar novos caminhos na música universalista. Aos 24 anos, com uma bolsa de estudos ganha em um concurso de música, foi para a Europa. Primeiro passou por Darmstad, na Alemanha, onde fez cursos de especialização com Ligeti e Lukas Foss; depois foi para Paris onde permaneceu por quatro anos estudando com Nadia Boulanger e Olivier Messiaen. Ele dizia que vivenciou o sentido da rítmica quase cósmica de Messiaen e o rigor da forma pela forma de Nádia Boulanger. Inteirou-se da técnica dos “Modes de Valeur et Identité” de Messiaen. Foi um aprendizado importantíssimo para seu amadurecimento musical.

Em 1974 tornou-se professor e depois diretor do Instituto de Artes da UNICAMP onde se doutorou em música e permaneceu até 2000 quando se aposentou. Era titular da cadeira número 15 da Academia Brasileira de Música. Ministrou palestras e cursos nos EUA, na Universidade de Indiana e na Academia Rubin, em Jerusalém, entre outras. Suas obras têm sido apresentadas nos EUA, na Alemanha, na Suíça, na Bulgária. Até sua morte, residindo em S. Paulo, ministrava cursos de análise bem como análise de sua obra e apresentava o programa Kaleidoscópio na rádio Cultura FM, falando de música contemporânea.

Sobre a obra é composta de música para orquestra, coro, voz, câmara, vários instrumentos solos e peças geniais para piano (era exímio pianista). Destas, destaco a série Cartas Celestes, extenso ciclo para piano que teve início com a sua tese de doutorado, de mesmo nome, e que explicou ser uma “uranografia sonora geradora de novos processos de composição”; a continuação do ciclo, Cartas Celestes volumes 2, 3, 4, 5 e 6, relativa aos planetas do sistema solar, foi composta de 1974 a 1982. A obra é de uma importância ímpar porque nela o estilo transtonal foi empregado de maneira consciente e persistente. O transtonalismo pesquisa elementos de ressonância num espectro sonoro mais amplo. Almeida Prado explica que o sistema transtonal leva em conta as ressonâncias naturais, os fatores acústicos e a necessidade de uma neocadência. Ele deu continuidade à série até o volume 14 das Cartas Celestes, porém abandonou a transtonalidade porque não o interessava mais e usou um estilo pós-moderno, isto é, tomou texturas, repertórios e mecanismos do passado e adaptou à sua nova linguagem.

No ano passado, a OSESP apresentou uma obra sinfônica sua, Arredores de Paris que fazia contraponto a um filme mudo, em branco e preto, sobre Paris do início do século XX e que se desenrolava ao fundo do palco. A peça musical, quase sempre descritiva, absolutamente adequada às imagens, fazia menções à Marselhesa, ao Cancan e a músicas francesas populares, de uma forma sutil e genial.

No dia 21 de novembro de 2010, após dez dias de internação em um hospital em S. Paulo, morreu aos 67 anos, José Antonio Rezende de Almeida Prado. Seu corpo foi velado no Teatro S. Pedro e sepultado no Cemitério da Consolação.

Sua música, com certeza, o imortalizou.

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