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sexta-feira, 13 de agosto de 2010



LUDWIG VAN BEETHOVEN
(Bonn, 1770-Viena, 1827)
“No mundo da arte, como em tudo que diz respeito à criação,
o objetivo é a liberdade e a força de ir sempre mais além”

Creio que todos os amigos sabem da paixão que tenho por Beethoven, sua música, seus ideais de liberdade, fraternidade universal... por isso, quero falar sobre ele, aquí.


4 de Julho de 1776 – Independência dos Estados Unidos
14 de julho de 1789 – em Paris, a multidão enfurecida ataca a fortaleza da Bastilha, liberta 7 prisioneiros e desfila pelas ruas exibindo as cabeças dos guardas assassinados espetadas em paus. 3 anos depois é proclamada a República da França e o exército dos cidadãos cerra fileiras ao som da nova canção patriótica a Marselhesa. Luís XVI e Maria Antonieta são guilhotinados e um obscuro tenente da artilharia, Napoleão Bonaparte começa a preparar-se para ascender ao poder.
1792 – George Washington é presidente dos Estados Unidos.
Haydn está no auge da fama e o corpo de Mozart jaz numa campa de indigentes no cemitério de Viena.
Este contexto histórico é lembrado por Claude Palisca e Donald Grout (História da música ocidental)

Em 1787, um jovem músico alemão de nome flamengo ( pelo avô) é enviado a Viena para estudar com Mozart. Tem 17 anos e chama-se Ludwig. van Beethoven. A permanência é curta pois sua mãe morre em Bonn e ele volta para assumir a família ( 2 irmãos). Chegara a tocar para Mozart que lhe profetizara um futuro brilhante.
Beethoven recebera a primeira formação musical – insatisfatória- do pai, cantor da capela de Bonn. Sua infância fora infeliz: o pai, alcólatra e brutal pretendera transformá-lo em menino prodígio, a exemplo de Mozart. Tirava-o da cama de madrugada para exibi-lo aos amigos ao regressar da taverna. Mesmo assim teve um grande mestre, Neef, e freqüentou a Universidade como ouvinte. Tocava órgão, cravo, violino, viola, violeta; era exímio improvisador
Aos 12 anos acompanhava no cravo a orquestra da ópera de Bonn, substituindo seu professor. Era protegido do Príncipe Eleitor (o Arcebispo) Max Franz. Aos 14 anos foi nomeado oficialmente organista-assistente da Corte de Bonn. Aos 18 anos tocava violeta na orquestra da ópera. Aos 21 anos tinha prestígio excepcional junto à nobreza de Bonn.

Em 1792, aos 22 anos, chega outra vez a Viena, com carta de seu protetor, Conde de Waldstein, o já compositor e pianista Beethoven (viajara 800km de carruagem por uma semana). Haydn estivera em Bonn, ouvira composições de Beethoven e recomendara ao Arcebispo que o enviasse à Viena para estudos mais aprofundados. Não se sabe ao certo o que B. aprendeu com Haydn mas as lições continuaram até 1794, quando este foi para Londres e B. teve outros professores, inclusive Salieri.
Pouco mais de 10 anos após ter chegado à Viena, Beethoven é conhecido em toda a Europa como o maior pianista e compositor para piano do seu tempo e como compositor de sinfonias à altura de Mozart e Haydn. Tinha prestígio na sociedade, freqüentava as mais nobres famílias, tinha mecenas generosos mas não se curvava para receber favores; mantinha sua independência e tratava-os com certa rudeza. Procurava não escrever música por encomenda. Escrevia para um público ideal, universal, como uma expressão de si mesmo, de sua individualidade e sua época histórica.
Beethoven começou a atuar em um momento da maior importância histórica: novas e poderosas forças que começavam a se manifestar na sociedade o afetaram profundamente e repercutiram em sua obra. Tal como Napoleão ou Goethe, viveu as gigantescas convulsões que vinham se fermentando ao longo do séc. XVIII e que finalmente eclodiram com a revolução francesa.
Historicamente, a obra de Beethoven é construída no estilo clássico mas as circunstâncias externas e a força criativa do seu gênio inquieto levaram-no a transformar essa herança e avançar para características fundamentais do período romântico.
Beethoven desenvolveu sua obra na atmosfera do movimento literário do pré-romantismo alemão, de 1770 a 1790, inspirado nas idéias de Rousseau ( o homem nasce livre; todo homem é igual na a natureza) que os alemães chamavam de Sturm und drang ( Tempestade e Paixão ou Impulso): culto à natureza, libertação do indivíduo, primazia do gênio, da emoção, da sensibilidade; reação contra o racionalismo e o classicismo.
Mas acontece uma tragédia que faz de Beethoven um solitário. Desde os 28 anos apresenta perturbações auditivas. Aos 31/32 anos dá-se conta que está ficando surdo. Esta surdez, o mais terrível dos males para um músico, vai se agravando até que aos 50 anos, 1820, mergulha em silêncio total. Não percebe mais som algum.
Aos 32 anos, aterrado com a idéia de que possam perceber sua enfermidade. escreve uma carta aos irmãos, descoberta após sua morte, que ficou conhecida como Testamento de Heiligenstadt para ser lida depois que morresse. Nela relata de maneira comovente o seu sofrimento que chegou a lhe inspirar o suicídio.

Personalidade

Intransigente, detestava mentira e hipocrisia; idealismo absoluto sem concessões; comportamento selvagem ao mesmo tempo generoso, fiel, humanitário, fraternal

Obra - o humanismo da Revolução Francesa é o substrato ideológico da sua obra.

-Cunho pessoal; expressão direta da sua individualidade;
-Novidade de concepção e força de pensamento;
-o pensamento movia-se num plano tão elevado que sentia dificuldade de fazer música para libreto de ópera porque tratava de pequenos atos, situações corriqueiras;
- modificação da linguagem e das formas tradicionais;
-forma sonata tomou proporções inéditas ( multiplicidade de temas; desenvolvimentos longos e complexos; longas codas; dissimulação das linhas divisórias entre as partes dos andamentos, andamento scherzo)
-idéias de caráter dinâmico e impetuoso que brincam com as estruturas simétricas do classicismo -1ª vez que se usa trombone em sinfonia- na Quinta
- exploração intencional dos temas e motivos até o limite de suas potencialidades

1ª Fase da obra– até 1802 (32 anos) – clássico. Assimila a linguagem do seu tempo e vai descobrindo a sua própria: Quartetos de cordas op. 18, 10 primeiras sonatas p/ piano(até op. 14), as 2 primeiras sinfonias.

2ª Fase - 32 / 45 anos – independência, inovações, rupturas, elementos românticos. Sinfonias 3ª a 8ª, ópera Fidélio, aberturas, 2 concertos p/ piano e o conc. p/ violino, quartetos op. 59 ( Razumowisky), sonatas p/ piano até op. 90. (Período tranqüilo, próspero, mús muito tocada, aplausos até no estrangeiro, mecenas generosos, encomendas dos editores, finanças favoráveis.)

3ª Fase - cerca de 1816 em diante – 45/56 anos – a surdez que o fazia perder o contato com os sons e o mundo ao seu redor, tornava-o cada vez mais fechado e taciturno, irascível, desconfiado; tinha problemas com o sobrinho. Com o silêncio, volta-se para a concentração e o mundo interior onde só as notas existiam. As composições tomam um caráter cada vez mais abstrato, a linguagem cada. vez mais concentrada. Nas últimas obras explora temas e motivos até a última potencialidade; dá efeito de continuidade obscurecendo linhas divisórias. A feição abstrata, universal, manifesta-se no recurso ao contraponto, criação de efeitos invulgares, invenção de novas sonoridades.
As derradeiras obras: as cinco últimas sonatas, Variações Diabelli, Missa Solemnis, últimos quartetos, Nona Sinfonia – são a culminância da genialidade, da perfeição, do ideal estético, do belo musical; obras criadas no silêncio profundo da mente do autor ao qual era negada a percepção de qualquer mínimo resquício de som.
O coral da Nona Sinfonia revela os ideais éticos de Beethoven: a liberdade e a fraternidade universal do homem, tendo como base a alegria do amor de um pai celestial.

Só raros contemporâneos compreenderam suas últimas obras. Discute-se o romantismo de Beethoven. O componente revolucionário, o espírito livre, impulsivo, misterioso, demoníaco, a mús como expressão pessoal, fascinaram a geração romântica.

A música de Beethoven aciona a alavanca do medo, do espanto, do horror, do sofrimento e desperta um anseio infinito que é a essência do romantismo” ( T. A. Hoffman)

Beethoven foi o gênio mais disruptivo da História da Música. Ele criou um mundo novo. Após ele, nada mais pode ser como antes.

A força dessa música interior encoraja as virtudes mais altas. Faria andar um paralítico e transformaria em herói ou santo o mais abominável malfeitor. A música de Beethoven desperta sentimentos de justiça e liberdade tão profundos ... que os ditadores deviam desconfiar dela. Na época trágica do domínio nazí, o simples ritmo do princípio da 5ª Sinfonia: UUU -- percutido nos tímbales significava para os ouvintes clandestinos da BBC a revolta e a esperança. Quanto à Nona Sinfonia - é o hino da nossa civilização. (Roland de Candé)

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Foi editado agora em 2010, pela Zahar, com tradução de Anna Hartmann Cavalcanti, o livro Beethoven escrito em 1870 por Richard Wagner, cuja capa ilustra este texto. O grande compositor homenageou Beethoven, a quem admirava, no centenário de seu nascimento. É um livro de caráter intrinsecamente estético com três abordagens principais na primeira das quais fica explícita a influência que Wagner sofreu de Schopenhauer para quem a música expressa a sabedoria suprema com uma linguagem incompreensível à razão. O livro explica a diferença entre as outras artes e a música: as primeiras são do domínio da bela aparência; a música é essência, arte sublime que pode despertar o êxtase do ilimitado. A segunda abordagem mostra, sobretudo , que para Beethoven não importava tanto mudar as formas mas sim expressar um novo mundo ao revelar ao mundo exterior seu próprio mundo interior. Em terceiro lugar, enaltece a relevância da música para a transformação do mundo moderno e da civilização alemã. Beethoven, por meio de sua música, desempenha o papel de redentor da cultura alemã e um dos grandes benfeitores da humanidade.

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